Rodrigo Dias
Alva-pálida. A única coisa que se destacava naquele corpo cadavérico era o abdômen proeminente. Não que estivesse bem alimentado, mas porque estava consumido pela moléstia.
Dentro de si suas vísceras digladiavam embebidas em sangue já sem visgo. As partes vivas já não eram mais vistas. Tornou-se uma ferida só. Purulenta, apodrecida.
Sim, era tomada de uma dor enorme que a consumia de dentro para fora. Uma dor sem explicação e sem imensidão. O corpo, frágil, sentia a falta. Entre gemidos e devaneios era transportada a outra dimensão.
Nela seu leito de morte não existia. Deixou de ser moribunda e viva na alegria. O quarto sujo e pequeno se transformara numa praça iluminada pelo sol de verão. Pássaros cantavam ao seu redor e uma brisa suave refrescava-lhe o corpo.
Seu corpo ainda ardia e a boca estava seca. A diferença era a ausência da dor, substituída por um prazer incomensurável. O amado, instantes atrás, lhe roubara o primeiro beijo e jogou o seu encanto: era a paixão lhe sendo apresentada pela primeira vez.
Bastou um suspiro e tudo desmoronou. O gosto de sangue voltou a habitar sua boca e se viu, novamente, sozinha. Para ela não existia uma dor pior que aquela que a rasgava o peito, abrindo nele um buraco.
A dor de uma paixão perdida invalida o ser. Rouba-lhe o ar e o chão. Daí a pouco se vai também o sopro da vida. Ele se foi no inverno seguinte. Foi para a guerra e não voltou. Não houve tempo de deixar nela sua semente.
Ela não resistiu a sua ausência e decidiu morrer. Ordenou ao seu corpo: morra. Ele, obediente, foi levando-a aos poucos. Engana-se quem acredita que foi a moléstia que a levou no melhor momento da vida.
Morreu foi de paixão. A dor do corpo foi um bálsamo para aliviar a dor do amor. Ela, a dor, ajudou a passar o resto dos seus dias. Até sucumbir de vez ao vazio no peito.
Os lábios roxos se foram, sorrindo, com a lembrança de um doce beijo.
E fim.