rapa do bolo - Antonio Andrade - Portal Centro Oeste

 

Toda vez que eu retirava a colher de pau quebrada de dentro da gaveta, a reação dos meus quatro filhos era a mesma: José, o mais velho de sete anos de idade, chegava primeiro, abria as pernas e os braços na porta da cozinha. Josué e Jeremias, de cinco e quatro anos, chegavam quase juntos e ficavam tentando tirar José do caminho. Cerca de um minuto depois chegava Jonas, de dois anos, sentava-se alguns passos antes da porta e chorava como se estivesse apanhando de correia. Alguns instantes depois estavam todos comportados e sentados dentro da cozinha, um do lado do outro, de olhos fixos na vasilha de alumínio.

 

– É de fubá? – perguntava Jeremias, em voz quase inaudível para José.

 

– É de farinha de trigo e ninguém vai rapar nada hoje! Vocês podem é esperar o bolo ficar pronto como gente grande – eu já interrompia tentando acabar com aquilo, mas não tinha jeito. Após untar a forma com banha de porco e começar a despejar a massa batida, os moleques já se levantavam.

 

– Vou dar uma colher na boca de cada um e é só, ouviram? – eu gritava.

 

José, Josué e Jeremias quase arrancavam meus dedos junto com a colher de massa crua de bolo, mas Jonas sempre negava sua parte.

 

– Não entendo! Você corre e apronta esse berreiro e não quer a bendita rapa – eu danava com ele, sem entender.

 

Com o bolo pronto, todos se fartavam e Jonas comia sempre mais devagar que todos. Eu passei muito tempo imaginando que o motivo era por ele ser o mais novo, mas não era. Na cabeça dele, o bolo era motivo de discórdia e ele tinha a função de colocar ordem – todos eram maiores, mas ele sabia que seu choro era ouvido. Quando tudo começava ele abria a boca, eu colocava ordem na confusão e ele se sentava no meio dos irmãos, para ver se iria terminar tudo bem. Os meninos só queriam a rapa do bolo, mas para ele, seus irmãos brigavam por comida. Jonas então comia mais devagar para permanecer mais tempo à mesa. Ele estava atento, qualquer voz alterada ele choraria, ninguém se arriscaria a brigar porque ele estava ali para colocar ordem na mesa.

 

Com o passar dos anos aquela rapa perdeu seu encanto, ninguém mais queria, mas ao ouvir a colher de pau na vasilha de alumínio, Jonas sempre saía de casa, dava uma volta e só voltava quando o bolo estava pronto.