“Não quero dizer que a Princesa do Oeste tem caninos afiados, baba e tem mau hálito. Quero dizer que as cidades, essas coisas que assim como as pessoas tem um substantivo próprio ou mais, tem que ser vistas como entes e não como coisas ou mesmo lugares”

 

 

 

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Tive a oportunidade de morar em muitas cidades, umas dez ao longo desses trinta anos que carrego nas costas, e talvez por isso goste de afirmar isto: cidades são monstros.

Não me entenda mal, não quero dizer que a Princesa do Oeste tem caninos afiados, baba e tem mau hálito. Quero dizer que as cidades, essas coisas que assim como as pessoas tem um substantivo próprio ou mais, tem que ser vistas como entes e não como coisas ou mesmo lugares. Cada cidade tem um espírito próprio, uma identidade pessoal.

Tomo a liberdade também de invocar aqui o mais famoso dos monstros, o de Frankstein para deixar claro que a monstruosidade não tem muito a ver com a ética, mas com a natureza. O Monstro de Shelley é dócil e reage violentamente apenas quando forçado a isto. Monstros não são maus, são monstruosos. As cidades, estes construtos artificiais, e no entanto vivos, estes lugares e no entanto sentidos, esse concreto e no entanto sonho, essas possibilidades e no entanto muros, não podem ser outra coisa senão monstros, seres artificiais que não deviam existir. Mas no entanto os criamos, e neles vivemos como parasitas, simbiontes ou alimento.

Talvez esta seja a conclusão mais perturbadora de perceber que cada cidade é mais que “vidro, concreto e metal”, que cada cidade é também uma essência e uma personalidade, um ser. E seres comem. Seres são dinâmicos e estão em constante processo de metabolizar alimento e o transformar em outra coisa. Todas as maravilhas do espírito e da técnica que nos encantam, um dia foram um prato de comida. E se nos perguntarmos do que as cidades se alimentam, a única resposta possível é “pessoas”.

A cidade nos engole e digere. Esta digestão é o trabalho que fazemos de construir a cidade. Cada uma de nossas ações que altera o tecido banhado pelas veias de asfalto é análogo aos processos de fabricação de proteínas e organelas dentro de uma célula. O consultório dentário e o psicológico, a brinquedoteca e o cabaré, a universidade e a acearia, o bar e a boca de fumo, todas células ou organelas deste monstro em que vivemos, ou melhor, que construímos a medida que nos destruímos neste lento processo de morrer que chamamos de vida.

Divinópolis é um monstro estranho, me parece que a Princesa está na adolescência, acabou de menstruar pela primeira vez e se divide confusa entre as voragens da carne, a respeitabilidade da tradição e as dores das cólicas. Um dia acorda com o mal estar da modernidade e segue com ar blasé até a meia noite, noutro está convencida que a vida é uma festa a ser voada.

Iogues acreditam que assim como a mente influencia o corpo o corpo influencia a mente, e por isto fazem seus exercícios, para a partir do corpo transformar a mente. Se o ioga se aplicar aos monstros, ainda mais um monstro indeciso e em transição como Divinópolis, é possível nessa nossa digestão alcançar esse espírito arredio. Fazer as cirurgias necessárias para que o monstro seja mais amável e até singelo.

Vamos brincar de domar monstros?