Serviço essencial à sobrevivência de 90 doentes renais pode ser suspenso; Prefeitura e Câmara veem impasse
A falta de dinheiro para pagar despesas básicas e o pouco apoio do poder público ameaçam a continuidade do transporte de pacientes oferecido pela Associação dos Doentes Renais e Transplantados de Divinópolis e Região Centro-Oeste (Adortrans). Fundada em 1999, a organização sem fins lucrativos mantida apenas com doações e que atualmente é responsável por buscar e entregar em casa 90 pessoas que precisam passar por hemodiálises três vezes por semana.
Esses serviços são prestados em dois turnos, com três veículos: uma Kombi e duas vans, que percorrem de 180 a 230 quilômetros por dia. Para dar conta da demanda, é preciso que os veículos tenham a manutenção em dia e que a entidade possa contar com uma equipe treinada, que possam prestar o serviço em segurança. Mas, não é o que acontece.
De acordo com Kátia Martins Macedo, coordenadora do transporte, a pandemia gerou uma queda significativa nas doações à entidade.
“Estamos passando por uma crise financeira nessa pandemia, onde nossa arrecadação caiu cerca de 55%”.
Por causa disso, tem sido difícil pagar as contas da oficina e manter a frota. As imagens abaixo falam por si: mostram estruturas bastante danificadas, que não garantem segurança aos ocupantes.
Uma das vans está quebrada. A Kombi já não aguenta rodar diariamente. Ela funciona como um veículo reserva, pois os outros dois vivem na oficina. Quando é usada, a equipe precisa dividir as rotas, pois não comporta todos os pacientes.
“Temos uma fila de espera para o transporte. Sem contar o primeiro turno, que não fazemos. Por falta de veículos, temos feito apenas o turno da tarde e da noite. Porém, há uma demanda grande. Se colocarmos os veículos em mais um turno, os mesmos não aguentariam. Estão sucateados e vivem na oficina”.
Oficina que já não cabe mais no orçamento da associação.
“Pagamos entre oficinas, troca de pneus, elétrica e peça. Cerca de R$ 6 mil por mês quando há troca de pneus. Essa é nossa dívida atual. A Prefeitura nos ajuda com o combustível. Sem contar que hoje temos uma demanda para pacientes debilitados que necessitaram de ao menos um veículo adaptado, que ainda não temos”.
Uma das vans pertence ao Município há muito tempo – bem antes do começo da gestão do prefeito Gleidson Azevedo (PSC). Ainda segundo Kátia, há dois meses o mau estado desse veículo já foi relatado ao secretário municipal de Saúde, Alan Rodrigo Silva, que teria se prontificado a substituí-lo – o que ainda não ocorreu.
Esforço das equipes
Falta dinheiro para a manutenção, mas sobra dedicação das equipes da Adortrans.
“Por muitas vezes o veículo quebra no último turno, quando vão levar os pacientes após a hemodiálise. Às vezes estão lá no bairro São Bento, por exemplo, e o veículo quebra. Aí eu tenho que pegar o meu carro particular ou um carro de passeio que temos na Adortrans, acionar os motoristas que estiverem disponíveis no momento e às vezes até coloco meu marido de motorista, pra cada um pegar um carro e correr pra lá e levar os pacientes para casa, pra não deixar eles ali na estrada, numa hora daquela, porque a outra van está rodando e a outra, quebrada. Isso já aconteceu várias vezes. Nossa situação realmente chegou no limite.”
Realidade que deixa a equipe de pés e mãos atadas. A turma que faz hemodiálise durante a manhã tem exibido transporte a todo custo, porque os pacientes do segundo e terceiro turno têm transporte, enquanto eles, não.
“Eles têm razão. Eles têm o direito de ter o transporte também. Eles necessitam. Porque o transporte é só para os pacientes carentes. Aqueles que realmente não têm condições de vir à nefrologia fazer as sessões de hemodiálise. Sem elas, o paciente vem a óbito. Estamos sem saber o que fazer. A ponto de realmente ter que parar tudo, porque não estamos encontrando uma solução”.
Transporte em risco
Com apenas dois dos três veículos da frota em uso, os pacientes vivem sob um risco constante: se outro automóvel quebrar, ficarão sem transporte.
“Não vai ter veículo para fazer o transporte deles. E o que vai ser desses pacientes? O nosso desespero é esse. Porque nós vivenciamos as dificuldades desses pacientes, que saem da hemodiálise debilitados, sem condições de pagar transporte para ir pra casa. O que vai ser desses pacientes? Nós não queremos muito. Nós precisamos de veículo para continuar o nosso trabalho com honra e dignidade, porque os nossos veículos já não são nem dignos mais de os pacientes entrarem”.
A precariedade da frota, que aumenta devido à falta de dinheiro para a manutenção, pode fazer com que a entidade deixe de transportar pacientes e continue atuando apenas na oferta de medicamentos – que também não tem sido tranquila.
“Além do transporte oferecemos ao paciente medicamentos não doados pelo SUS, onde hoje também temos dívidas com a farmácia. Hoje o orçamento mensal para os medicamentos é de R$ 7.595,92 e devemos R$ 8 mil à farmácia”, relata Kátia.
Impasse
Esses e outros problemas da Adortrans foram relatados nesta quinta-feira (20) ao secretário municipal de Saúde e também ao vereador Zé Braz (PV), presidente da Comissão de Saúde da Câmara.
O representante do Executivo informou aos participantes que não há muito o que fazer neste caso, pois, para que seja possível tentar obter algum recurso público para a Adortrans junto ao Município ou ao Estado, é preciso que a entidade possua certidão negativa – que ainda não tem.
Zé Braz confirmou ao PORTAL GERAIS a situação de impasse gerada pela falta de uma certidão negativa e disse que procurado por empresários da região que se interessem por ajudar a pagar o conserto do veículo que está quebrado.
A reportagem tentou contato direto ao longo do dia com o secretário de Saúde e também por meio da assessoria de imprensa da Prefeitura, em busca de um posicionamento oficial. Mas, até a conclusão do texto, não houve retorno.