Marcone Lisboa é diretor do CTI do São João de Deus (Foto: Arquivo Pessoal)

“Nenhuma visita à casa de um familiar próximo e nenhuma viagem vale o risco”, afirma Marcone Lisboa

Ricardo Welbert

A duas semanas para o Natal, muita gente já pensa em como celebrar em família neste momento tão incomum – o primeiro fim de ano em meio à pandemia do novo coronavírus. Abraçar ou não abraçar? Beijar ou não beijar? Em todo o mundo, epidemiologistas alertam para o perigo de relaxar no combate à Covid-19 e afirmam que o “novo normal” não pode ser esquecido porque qualquer descuido pode fazer mais vítimas.

Médico clínico especialista em cuidados intensivos e coordenador das Unidades de Terapia Intensivas (UTI) do Complexo de Saúde São João de Deus e do Hospital Santa Lúcia, Marcone Lisboa Simões da Rocha vê nas confraternizações de Natal um risco bastante alto de transmissão caso regras como o uso de máscara e o distanciamento não sejam cumpridas.

“Tudo o que a gente fala e faz é baseado em ciência. Estudos feitos em vários países já comprovaram que o vírus se propaga de forma muito mais rápida e intensa em famílias cujos núcleos (pessoas que moram juntas em uma mesma casa) se misturaram com outros núcleos (formados por pessoas que vivem em casas diferentes). Essas misturas ocorrem principalmente durante comemorações como aniversários, casamentos, formaturas etc. Nenhuma visita à casa de um familiar próximo e nenhuma viagem de uma cidade a outra para estar com alguém pessoalmente vale o risco de morrer ou matar. Nestes tempos tão difíceis e que exigem tanto esforço a todos nós, as telecomunicações são a forma mais segura e, portanto, mais recomendada de interagir com quem se gosta durante a pandemia”, diz.

O fato de ser fim de ano contém um agravante: as confraternizações de empresas.

“Nas semanas que antecedem o Natal, muita gente se reúne com a turma do trabalho. Por terem passado o ano inteiro junto, têm a ilusão de que estão seguros perto daquelas pessoas e por isso não usam a máscara ou não exigem que os colegas usem. Daí pegam o vírus e, na semana seguinte, passam ele adiante nos encontros de Natal. A família inteira fica muito vulnerável a esse perigo. Especialmente os mais idosos”, acrescenta.

Os descuidos na hora de conversar com familiares e amigos refletem nos leitos hospitalares. Em Divinópolis, o começo de dezembro foi marcado por aumentos das ocupações nos pontos destinados a pacientes com Covid-19.

“Em conversas com esses pacientes, a maioria esmagadora deles nos diz que receberam outros núcleos familiares em suas residências ou estiveram com eles em comemorações de aniversários, formaturas, casamentos etc. Quem se descuidar do combate ao vírus no Natal tem um grande risco de estar em um dos leitos hospitalar em janeiro ou fevereiro ou mesmo de ter em internação alguma pessoa próxima a quem possa ter infectado nessa celebração”, explica.

Foco na gotícula

Ainda para o médico, o uso da máscara é inquestionável e indiscutível. É o único recurso capaz de impedir que gotas de saliva sejam expelidas ou consumidas.

“O vírus está escondido dentro das gotículas. Se alguém corre o risco se contaminar tocando a superfície de uma mesa, por exemplo, é porque alguém sem máscara esteve ali antes desta pessoa e lançou gotículas contaminadas naquela superfície e é exatamente aí que viraliza. Se a pessoa estivesse usando a máscara, isso não teria acontecido”, afirma e completa:

“A máscara não pode ser objeto de discussão entre usar ou não. Tem que usar e ponto. Não só nos ambientes abertos, mas também nos fechados, mesmo que seja o núcleo familiar e que a pessoa está. O vírus não respeita grau de parentesco. Se ele puder usar a saliva de uma pessoa para entrar em outra, ele vai fazer isso”.

É nos pequenos descuidos que o vírus se espalha e causa danos incalculáveis. A contaminação indireta ocorre se está em um ambiente onde a pessoa, ao espirrar ou tossir, cobre a boca apenas com mãos. E daí toca superfícies de mesas, cadeiras, maçanetas e objetos xícaras, copos e talheres, dentre outras, infectando esses itens e expondo outras pessoas ao risco de contaminação.

“Se quiser evitar o contágio de verdade, tem que usar máscara o tempo todo. Todo mundo tem que usar, porque se você usa, mas quem está próximo a você não usa, você está protegendo essa pessoa, mas ela está expondo você às gotículas dela. Mesmo nas confraternizações de Natal é preciso manter a distância mínima de dois metros e usar bastante álcool pra manter as mãos sempre higienizadas”, reforça.

Risco a profissionais

Especialistas em tratar pacientes infectados pela covid-19, os médicos e enfermeiros também precisam seguir ao pé da letra as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Tanto no CSSJD quando no Hospital Santa Lúcia eles também são orientados a evitar contato direto com seus familiares.

“Nas minhas equipes nos dois hospitais, nenhum dos médicos que tratam pacientes com covid-19 foi contaminado. Temos alguns enfermeiros com atestado por estarem sob suspeita, mas todas as infecções ocorreram fora do ambiente hospitalar. Houve um caso confirmado, mas também não foi infecção no hospital. O ambiente hospitalar é o mais seguro de todos contra o vírus. Nele estamos o tempo todo com o uniforme adequado, luvas e máscaras. Se alguém infectado lança gotículas sobre um profissional, a chance de infecção é quase zero. Fora do ambiente de trabalho hospitalar o risco é muito maior”, detalha.

Potencial aumento em janeiro

De todas as datas comemorativas, o Natal é a que mais desperta o desejo de estar em família. Ainda segundo o médico, se neste Natal as pessoas se descuidarem como se descuidaram em datas comemorativas anteriores, os meses de janeiro e fevereiro de 2021 terão alta significativa nas ocupações dos leitos dos hospitais.

“Uma grande parte dos pacientes internados por covid-19 sai bem do tratamento. O problema é que, se compararmos essa doença com a gripe comum, a transmissão da covid-19 é muito superior. E algumas pessoas têm reações imunológicas diferentes a essa infecção. Por isso é que algumas se recuperam rapidamente e outras, infelizmente, morrem logo. Também há muitos casos de pacientes que ainda se recuperavam de algum pós-operatório e, por causa disso, estavam com a imunidade muito mais baixa e não resistiram à etapa mais grave da infecção”, explica.

Por tudo isso que o especialista em cuidados intensivos detalhou, visitar grupos familiares com o qual não se tem convivido durante o isolamento não é nada recomendável.

“A grande quantidade de pacientes contaminados nos leitos mostra que tem faltado compreensão da gravidade da pandemia. Muitos desses doentes confessam que foram descuidados no uso da máscara e do distanciamento social. Divinópolis teve uma vantagem de 30 a 40 dias desde o primeiro caso confirmado no Brasil até o primeiro caso na cidade. Tivemos muito temo para nos prepararmos no combate e ainda assim tivemos o primeiro caso confirmado em Minas Gerais. Uma médica morreu de Covid-19 na cidade logo no início. Por isso a população teve mais cuidado e a taxa de transmissão permaneceu muito baixa. O que não aconteceu no início está com o risco de acontecer agora, depois do Natal. Está faltando a percepção de que o problema está no contato social. Enquanto insistirem com isso, estarão em risco”, finaliza.

 

Foto de capa: Divulgação

Marcone Lisboa coordena as UTI do São João de Deus e do Santa Lúcia