Antonio Andrade
Desceu as escadas com dificuldade, jogou as malas no chão, respirou fundo e desabou a falar:
– Desculpe, Júlio, mas foram 12 anos, não sei ao certo, você que sempre se preocupou em contar, mas sempre me pareceu uma contagem regressiva.
O dia poderia estar lindo, gramas verdes, girassóis escancarados e pássaros na janela que aquele maldito sapato alinhado aos pés da cama estragava meu dia. Não é uma explicação, não é uma justificativa, tampouco um desabafo, mas eu não aguentava aquele terno amarrotado sob minha cadeira favorita que eu nunca usei ou sua respiração simetricamente calma e tranquila enquanto dormia.
Desculpe, Júlio, mas eu odiava as flores. E mais ainda a reação de minhas amigas idiotas que se animavam como crianças diante uma planta morta com poucos dias de função decorativa.
E mesmo sob as asas do trabalhador, fiel e atencioso, eu me esgueirava para os becos escuros nas noites mornas das segundas-feiras em busca de emoção – pouco tinha, mas sempre mais que em casa.
Não chego a lamentar, permaneci porque quis, eu sei, mas sei mais que meu descontentamento era consciente, quase um acordo invisível onde eu podia me sentir assinando pela manhã, após mais uma noite mal dormida, um documento em letras garrafais concordando em ter mais um dia de merda.
Siga. É uma benção. Em qualquer canto, em qualquer lugar, sempre haverá uma mulher insegura, sem respostas e às vezes também sem perguntas, procurando apenas alguém que se abaixe e pegue suas rédeas que vivem arrastando pelo chão, afim que lhe indique um rumo, ou apenas amarre num poste para que ela possa descansar em paz.
Não. O porquê de não ser antes não te trará uma resposta satisfatória. Desculpe, Júlio, mas eu quero abrir aquela porta e sentir, pela primeira vez, a sensação de não ter que voltar. Sinto que estou prestes a ter o primeiro sorriso e a primeira respiração calma e profunda, trazidos pelo vento leve da liberdade.
Dito isto, Lorena se abaixou e levantou bruscamente duas malas, ajeitou o cabelo sobre o olho e estufou o peito já mirando a porta. Júlio se sentou, puxou um cigarro e antes de acender, olhou a rua pela fresta da cortina, soltou um leve sorriso e antes que ela pudesse fechar a porta falou:
– Mande um abraço pro meu amigo Gustavo lá embaixo e peça desculpas por mim – acendeu o cigarro e deu a maior tragada da sua vida.
– Desculpas?
– É, em pouco tempo ele vai entender.