Fachada da upa de divinópolis
UPA de Divinópolis (Foto: Divulgação/Prefeitura de Divinópolis)

Cinco integrantes do IBDS foram denunciados pelos crimes de peculato e associação criminosa por apropriação ilegal de recursos destinados ao Hospital de Campanha

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou cinco pessoas por crimes de peculato (art. 312 do Código Penal) e associação criminosa (art. 288) cometidos durante a execução de contrato de gestão celebrado por Divinópolis (MG) com a organização social Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social (IBDS) para a operação da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Padre Roberto Cordeiro Martins e de um Hospital de Campanha instalado para o atendimento a pessoas infectadas com a Covid-19.

B.H.D.V., D.P.S.V. e E.M.C.J., responsáveis pela organização social Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social-IBDS, foram denunciados por peculato (art. 312) e associação criminosa (art. 288), ambos do Código Penal. T.S.L. e A.A.S.J., sócios da AATR Locação de Veículos Especiais Ltda. foram denunciados por peculato (art. 312).

A reportagem tentou contato com o IBDS, porém não conseguiu nenhum retorno.

Investigação instaurada pela Polícia Federal e conduzida com apoio da Controladoria Regional da União em Minas Gerais (CGU) encontrou irregularidades em diversas contratações realizadas pelo IBDS para a prestação de serviços ou fornecimento de insumos para a UPA e o Hospital de Campanha em Divinópolis, entre elas, superfaturamento; direcionamento de contratações, inclusive com pessoas jurídicas de propriedade de diretores do IBDS; sobreposição ou falta de definição dos objetos contratuais; publicidade restrita; inexistência de critérios formais e técnicos para a seleção dos fornecedores; precariedade dos procedimentos de compra e contratação; falhas e fraudes nos termos de contratos celebrados e falhas nas prestações de contas ao município.

A gravidade dos fatos, que envolveram a gestão de quase R$ 100 milhões, dos quais mais de R$ 32 milhões já haviam sido transferidos pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS), acabaram levando, em 11 de dezembro de 2020, à deflagração da Operação Entre Amigos, para o cumprimento de mandados de busca e apreensão deferidos pela Justiça Federal em Divinópolis.

Licitação e aditivos contratuais

No início de 2019, a Prefeitura da cidade realizou a Concorrência Pública nº 001/2019 cujo objeto foi a prestação de serviços de administração e gerenciamento da UPA Padre Roberto Cordeiro Martins no âmbito do SUS, sagrando-se vencedor o IBDS, com proposta no valor global de R$ 91.043.671,20 e valor mensal de R$ 1.517.394,52 em 60 meses.

O resultado da licitação foi homologado em 21 de agosto de 2019 e o contrato assinado em 02 de setembro de 2019.

Poucos meses após o início da execução desse contrato, em março de 2020, foi decretada a pandemia de Covid-19 e, diante de um quadro de emergência que apontava para a insuficiência de leitos hospitalares de internação e de tratamento intensivo credenciados ao SUS, aliado à necessidade de respostas rápidas para o exponencial aumento da demanda hospitalar, o Município de Divinópolis resolveu montar um hospital de campanha atrelado à UPA Padre Roberto Cordeiro Martins.

Para isso, promoveu aditamento ao Contrato de Gestão nº 21/2019, com o objetivo de custear a implementação de 20 leitos de UTI e 20 leitos de observação, e consequente suplementação de R$ 8.859.978,96 ao valor original e repasse mensal de R$ 1.476.663,16.

Ainda durante a vigência do 1º Termo Aditivo, quando a Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais credenciou a UPA Padre Roberto Cordeiro Martins para o atendimento de pacientes de toda a Microrregião de Divinópolis, a Prefeitura resolveu celebrar um segundo termo aditivo, em 13 de maio de 2020, para custear a implementação de mais outros 10 leitos de UTI e 10 leitos de observação. Desta vez, a suplementação ao valor contratual foi de R$ 3.127.770,50 e repasse mensal de R$ 625.554,10.

Autocontratações

No contexto desses novos contratos, os investigadores constataram que um dos expedientes usados pelos denunciados para o desvio dos recursos públicos era a autocontratação: no início de abril de 2020, sem a realização de qualquer processo seletivo, o denunciado Braulio Viana, apesar de integrante da Diretoria do IBDS, através de sua firma individual DMCM Consultoria, Gestão e Treinamento Eireli, contratou a si mesmo para ser o Superintendente Administrativo do Hospital de Campanha de Divinópolis/MG, mediante pagamento mensal de R$ 15 mil.

No mesmo período, também sem processo seletivo, o denunciado E.M., apesar de também fazer parte da Diretoria do IBDS, através de sua firma individual HCG–Health Consultoria, Gestão e Treinamento Eireli, contratou a si mesmo para ser o Superintendente Assistencial do Hospital de Campanha, também recebendo remuneração mensal de R$ 15 mil.

De acordo com a denúncia, as autocontratações foram ilegais, porque, além do evidente conflito de interesses, o Edital da Concorrência Pública proibia expressamente a realização, pela contratada (IBDS), de qualquer tipo de avença com pessoa jurídica ou instituição da qual faziam parte seus dirigentes e associados.

Além disso, não houve comprovação dos serviços prestados. A CGU constatou que as prestações de contas referentes aos meses de maio e junho de 2020, relativa aos pagamentos efetivados às firmas dos dois diretores do IBDS, não estava acompanhada de relatórios de atividades ou outros elementos comprobatórios que servissem à liquidação da despesa.

Para o MPF, as autocontratações eram completamente desnecessárias, porque as atividades propostas nos dois contratos de fachada eram dispensáveis e perfeitamente executáveis por gerentes e diretores já contratados para a prestação de serviços na UPA e no Hospital de Campanha.

“Aproveitaram-se, de forma vil, da situação de pandemia, que levou ao aumento considerável dos recursos destinados à execução do contrato de gestão do IBDS com o Município de Divinópolis, para aumentar seus próprios ganhos pessoais, através da estruturação de uma verdadeira associação criminosa especializada em, paralelamente a prestação de serviços hospitalares, desviar recursos públicos”, diz a denúncia.

Segundo ainda a denúncia, essa apropriação ilegal de recursos públicos, no período de 13/05/2020 a 18/11/2020, somou ao menos R$ 205 mil, configurando o crime de peculato (art. 312 do Código Penal).

Contrato de ambulância superfaturado

Outra irregularidade encontrada pelos investigadores consistiu em pagamentos superfaturados pela locação de uma ambulância do Tipo D [Unidade de Suporte Avançado] para o Hospital de Campanha de Divinópolis.

Em 26 de março de 2020, o IBDS publicou edital para contratar empresa de locação de ambulância para atendimento e transporte de pacientes de alto risco em emergências pré-hospitalares e de transporte inter-hospitalar que necessitassem de cuidados médicos intensivos, com o respectivo condutor capacitado e treinado para a função.

O edital foi publicado apenas no site do IBDS, com prazo de dois dias úteis para entrega das propostas pelos interessados.

Apesar do exíguo prazo, quatro empresas apresentaram propostas, sagrando-se vencedora a AATR Locação de Veículos Especiais Ltda, sediada em Belo Horizonte (MG). O IBDS celebrou, então, em 02 de abril de 2020, contrato de locação de duas ambulâncias no valor de R$ 70 mil mensais e prazo de quatro meses.

No entanto, auditoria da CGU constatou que a divulgação limitada do Edital nº 05/2020 e o prazo exíguo para a apresentação das propostas comerciais configuraram limitação à participação de interessados e descumprimento dos princípios constitucionais da publicidade e da impessoalidade.

Além de inconsistências nas propostas apresentadas por duas participantes da licitação e confusão patrimonial entre as empresas pertencentes ao grupo vencedor do certame, os auditores também detectaram superfaturamento no valor contratado pelo IBDS.

Segundo a denúncia, o prejuízo causado aos cofres públicos federais com a contratação foi de ao menos R$ 182.430,00 (9 meses X R$ 20.270,00 – diferença apurada mensalmente por pagamento realizado).

Associação criminosa

A denúncia aponta que de atividade filantrópica (ou seja, sem fins lucrativos), nenhuma era, verdadeiramente, exercida pelo IBDS, demonstrando-se, isto sim, que houve a constituição/utilização dessa entidade justamente para burlar totalmente sua finalidade intrínseca de organização social, de modo a se executar uma atividade econômica altamente rentável, infringindo-se a contratação padrão de serviços públicos via processo seletivo competitivo, impedindo-se ainda a participação de diversos interessados e de modo mais econômico à administração pública.

Em relação a outras irregularidades apontadas pela CGU sobre a atuação do IBDS para operacionalização do hospital de campanha em Divinópolis, o MPF requisitou para a Polícia Federal que as investigações tenham desfecho em outros 15 inquéritos policiais apartados, no bojo dos quais deverão ser produzidas informações policiais que especifiquem o conteúdo das provas obtidas sobre a cada um dos contratos em análise.

A denúncia será agora apreciada pela Justiça Federal em Divinópolis, que poderá recebê-la ou não. Se houver o recebimento, os acusados passam à condição de réus e terão garantidos o exercício do direito ao contráditório e à ampla defesa.

Se condenados, os acusados, além das penas de prisão (dois a doze anos para o peculato e um a três anos para a associação criminosa), podem ter de reparar os danos patrimoniais e extrapatrimoniais causados por suas condutas e pagar danos no valor equivalente ao dano material causado aos cofres da União. (1004755-97.2020.4.01.3811-Pje)