1509466_828636737151780_1101538734_oCarlinhos acordou cedo naquela manhã de princípio de inverno. Beijou a mulher, beijou a imagem de Santa Rita de Cássia na cômoda e se enfiou no duro uniforme da retífica. Dois ônibus em pé às 5 horas. Parecia que todos ali iam para uma pelada de fim de semana. Não havia outro assunto, simpatizantes ou não, alguns com uniforme do time do ano, outros nem tanto…

 

– Renato Morungaba? Paulo Isidoro? – indagou-se no canto do coletivo.

 

Cartão batido, algumas zoações, tapas no ombro, insinuações maldosas e muito, muito trabalho.

 

– É hoje! É hoje – dizia para alguns amigos, batendo no peito e forçando um sorriso.

 

Era difícil, em casa, mas difícil.

 

Enquanto as faíscas da solda saltavam de encontro a seus olhos, parando no capacete, Carlinhos sentia o coração comprimido, pequeno, acelerado – estava ansioso demais.

 

Um dia longo de minutos incontáveis – e ele contou – havia acabado.

 

– Seis horas, se ao menos eu conseguisse pegar o metrô – pensou.

 

Correu para o ponto de ônibus.

 

No caminho quis comprar mais uma camisa – estava em promoção – dava pra ver na cara do ambulante o medo daquela camisa mofar nas caixas no dia seguinte.

 

Foguetes. No pequeno trajeto até sua casa o céu parecia um ensaio para o réveillon. Ironicamente, os bares lotados tinham pessoas azuis, não eram como Carlinhos – pessoas como Carlinhos sofreriam em casa, enrolados com seu uniforme que poderia fazer parte de um filme de Chaplin, que ainda assim se saberia de qual time era.

 

Um amor a moda antiga, uma alegria sem motivo e um sofrimento bom. Bom além da alma, além da compreensão em uma vida que faltava tudo:

 

– Carlos, você esqueceu de trazer…

 

– Shiiiiii! – disse, pulando duas malas no meio da sala.

 

De avental molhado, cabelos grudados e cheiro de ypê, Laura foi interrompida. Não entendia de futebol, não queria entender, mas amava Carlos.

 

Foguetes. Carlinhos chutou a mesinha de centro, gritou, chorou, se enrolou na bandeira, se ajoelhou… sozinho.

 

1 hora da manhã, Laura fingia dormir e Carlinhos, bem este ainda se equilibrava na janela, gritando junto com uma minicarreata que se formava por causa do sinal fechado.

 

Naquele mesmo dia, Laura acordou com um leve beijo no rosto, passou um uniforme duro e sujo, fez uma lista de compras, alimentou o cachorro Ulisses, preparou a marmita de Carlos, quis conversar, não viu espaço e foi lavar as roupas.

 

– Vou hoje para a casa de mamãe – pensou.