Mas daí, você começa a pensar em conceitos mais complexos, com partes que não são iguais entre si, como a boa vida, os problemas recorrentes, ser feliz, saudades compridas, etc. E ao ver os momentos e situações da vida, consegue identificar parte do que elas são.

 

 

 

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Papo descritor

O partitivo, ou caso partitivo, é carregado de verdade e poesia – digo isto sob a ameaça de ser redundante. Mas o português é “uma língua sem casos”, então passei por toda a vida escolar sem ouvir falar de partitivos, e só por isso desculpo os vários professores de português que não me introduziram à esta forma de pensar.

O partitivo é usado para indicar uma parte de um todo, como por exemplo “bebi da água” em vez de “bebi água” ou “bebi a água”. Ele diz, sem sombra de dúvidas, que você comprou “do pão” que havia na padaria, e não todo o pão da padaria. Com coisas concretas isso parece um tanto imbecil. “Claro que não vou comprar todo o pão da padaria ou beber todo o rio”, a gente quer responder a essas explicações de livro de idiomas, enquanto dá graças a Camões por esse pedaço do latim não ter sobrevivido no Português.

Mas o partitivo pode ser usado com abstratos também. Construções como “eu tenho da força”, que significa “eu tenho força” existem em francês. A poesia está em pensar nesse conjunto indefinido de força, felicidade, fúria ou qualquer outro abstrato, de onde você acessa uma parte, também indefinida. É quase como se essas abstrações existissem por si mesmas, como o rio ou os pães da padaria, e esse rio fluísse dentro da gente por instantes. Se você gostou desse modo de pensar, sugiro que pesquise um pouco sobre o candomblé, porque ele tem uma semelhança incrível com a relação dos humanos com os orixás.

Mas daí, você começa a pensar em conceitos mais complexos, com partes que não são iguais entre si, como a boa vida, os problemas recorrentes, ser feliz, saudades compridas, etc. E ao ver os momentos e situações da vida, consegue identificar parte do que elas são.

De uns tempos para cá tenho começado a narrativa de alguns momentos da vida no Facebook, esse diário a céu aberto, exatamente com essa indicação, um “De” que me diz parte do que.

Essa coluna mesmo, “Descritor”, se traduz em “De Escritor”, porque é parte desse difícil ofício. Já este artigo não, aquele “dos” na verdade indica apenas que é sobre as características dos partitivos, não ele mesmo parte.