Foto: Divulgação

Antonio Andrade

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Carlinhos acordou cedo naquela manhã de princípio de inverno. Beijou a mulher, beijou a imagem de Santa Rita de Cássia na cômoda e se enfiou no uniforme quente da retífica. Dois ônibus em pé às 5 horas. Parecia que todos ali iam para uma pelada de final de semana. Não havia outro assunto, simpatizantes ou não, alguns com uniforme do time do ano, outros nem tanto…

– Renato Morungaba? Paulo Isidoro?  – indagou-se no canto do coletivo.

Cartão batido, algumas zoações, tapas no ombro, insinuações maldosas e muito, muito trabalho.

– É hoje! É hoje! – gritava para alguns amigos, batendo no peito com um sorriso iluminado.

Era difícil, em casa, mas difícil. 

Enquanto as faíscas da solda saltavam de encontro a seus olhos parando no capacete, Carlinhos sentia o coração comprimido, pequeno, acelerado – estava ansioso demais. 

Um dia longo de minutos incontáveis – e ele contou – havia acabado. 

– Dezoito horas, se ao menos eu conseguisse pegar o metrô – pensou.

Correu para o ponto de ônibus. 

No caminho quis comprar mais uma camisa –  estava em promoção – dava pra ver na cara do ambulante o medo daquele uniforme mofar nas caixas no dia seguinte. 

Foguetes. No pequeno trajeto até sua casa o céu parecia um ensaio para o réveillon. Ironicamente, os bares lotados tinham pessoa azuis, não eram como Carlinhos – pessoas como ele sofreriam em casa, enrolados com seu uniforme que poderia fazer parte de um filme de Chaplin, que ainda assim se saberia de qual time era. 

Um amor imensurável, uma angustia sufocante e uma alegria além da alma, além da compreensão em uma vida que visivelmente faltava tudo:

– Carlos, precisamos conversar…

– Shiiiiii! – disse, pulando duas malas no meio da sala e ligando a televisão.

De avental molhado, cabelos grudados e cheiro de ypê, Laura foi interrompida. Não entendia de futebol, não queria entender, mas amava Carlos.

Foguetes. Carlinhos chutou a mesinha de centro, gritou, chorou, se enrolou na bandeira, se ajoelhou… sozinho. 

Uma hora da manhã, a cama estava vazia e Carlinhos, bem este ainda se equilibrava na janela, gritando junto com uma mini carreata que buzinava muito por causa do sinal fechado. Um dos carros parados era um taxi com sua mulher.

Naquele mesmo dia, Laura acordou com um leve beijo no rosto, passou um uniforme duro e sujo, fez uma lista de compras, alimentou o cachorro Ulisses, preparou a marmita de Carlos, quis conversar para ser convencida do contrário, não viu espaço e foi lavar as roupas.