Inquérito da Polícia Civil aponta crimes de tortura, maus-tratos, cárcere privado e curandeirismo; Outras 14 pessoas foram indiciadas

Uma freira foi indiciada por homicídio doloso pela morte de 10 idosos das Obras Assistenciais São Vicente de Paulo, conhecida como Vila Vicentina, em Divinópolis (MG). Formada em enfermagem, ela era responsável-técnica desde 2015 da instituição e está afastada desde abril do ano passado das funções.

O inquérito apresentado, nesta quarta-feira (18/1), pela Polícia Civil também resultou no indiciamento de outras 14 pessoas, dentre os crimes, por maus-tratos, tortura, cárcere-privado, curandeirismo.

Nenhum dos indiciados está preso, segundo o delegado regional Flávio Destro, por não ter razões jurídicas.

“Não houve coação de testemunha, estavam à disposição da Polícia Civil todas as vezes que foram visitados, durante as investigações não houve qualquer embaraço por parte dos investigados”, alegou.

Alguns dos indiciados foram afastados ou demitidos das funções no início das investigações por recomendação da Polícia Civil. O órgão não soube confirmar se permanece no quadro de funcionários algum dos investigados.

A diretoria foi substituída por uma comissão intervendora em maio de 2022.

As investigações começaram em abril do ano passado quando funcionários denunciaram vários casos. Na mesma época, a Vigilância Sanitária do município interditou o asilo. Ele foi desinterditado no dia 10 de janeiro deste ano pelo órgão, após cumprir as exigências estabelecidas.

O inquérito tem mais de 200 páginas. Ao longo de nove meses, foram realizadas diligências no local. Documentos, como receituários, cadernos de passagens de plantão foram apreendidos. Idosos, funcionários foram ouvidos.

Relatos apontaram que os assistidos eram amarrados em cadeiras e camas. Exames mostraram lesões. Alguns idosos eram mantidos em cárcere-privado trancados em ambientes com grades e cadeados. Muitos eram obrigados a fazer as necessidades fisiológicas em baldes.

A perícia técnica também identificou falhas estruturais.

“Foram verificados que as acomodações mantinham um enorme número de leitos, muito superior ao máximo estabelecido, isso ocasionava no acúmulo de idosos dentro das enfermarias e também as instalações sanitárias em desacordo. Verificamos alguns locais que não possuíam instalações sanitárias e os idosos faziam as necessidades em baldes”, explicou a perita criminal, Paula Lamounier.

Também não havia controle de prescrição de medicamentos, acompanhamento de sinais vitais.

Todas as denúncias, segundo o delegado regional, foram comprovadas a partir de prova documental, perícia criminal, exame médico legal, e, também, por depoimentos de testemunhas. Dentre as comprovações, ele cita os óbitos em “razão deliberada da responsável-técnica ao não prestar assistência médica necessária”.

“Essa omissão atribui a ela, é uma omissão dolosa, na nossa ótica, a responsabilidade por esses homicídios”, destacou.

A delegada responsável pela investigação, Adriene Lopes disse que em alguns casos, a responsável-técnica deixava os idosos que tinham necessidade de atendimento de urgência de quatro a 10 dias na enfermaria até morrerem sem acionar pelo serviço.

A delegada diz que a freira afirmou durante depoimentos não estar presente no momento de algumas mortes, alegando, em alguns casos, estar na missa ou não se lembrar.

Outros indiciamentos

Também foram indiciados membros do Conselho Diretor, advogado, cuidadores, enfermeiros e um médico com 33 anos de atuação dentro da Vila Vicentina.

De acordo com a delegada, ele era contratado para atender duas vezes por semana, uma hora a cada um dos dias. Entretanto, nem sempre os idosos passavam por atendimento médico. A freira apenas fornecia informações ao profissional.

Não bastasse, ela detinha o receituário e o carimbo do médico para prescrições, mesmo sem competência técnica.

“Ela que distribuía as tarefas, fiscalizava e determinava. Todos deviam obediência a ela. Ela era a superior hierarquia. Todos os funcionários levavam casos a ela. Há relatos de que não se mudava uma cama de lugar sem o conhecimento dela e autorização. Ela era a chefe. O próprio médico fala que ele direcionava tudo a ela”, afirma Adriene.

A freira pertence à Congregação Filhas do Sagrado Coração de Jesus, onde está no momento. A reportagem do PORTAL GERAIS não conseguiu contato.

Também tentamos falar com a nova diretoria da Vila Vicentina, porém a ligação não foi retornada.