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– Tão linda! – gritavam as tias.

 

Do alto do tamanco da mãe, de blusa-saia e uma maquiagem circense, a menina desfilava com as duas mãos na cintura, enquanto as tias riam e a mãe gritava da cozinha:

 

– Minha Blusa nova, Aline!

 

Sorridente, onze anos e muito magra, a menina com seus cabelos castanhos encaracolados alegrava a humilde casa de Seu Decir e Dona Lúcia. Era a mais nova, de um total de três irmãos.

 

Seu Decir bebia, como ele mesmo gostava de dizer, uma branquinha ao acordar pra despertar, duas pra não embuchar com o rango da patroa e o resto da garrafa a tarde, senão perde pro dia seguinte.

 

Mecânico dos bons, respeitado, machista e analfabeto. Dona Lúcia via nele um homem bom, que não deixava nada faltar em casa para ela e seus filhos. Uma justificativa interna para um braço trincado, olhos constantemente roxos e janelas quebradas.

 

Pela fresta da cortina que fazia as vezes de porta, Aline via a mãe encolhida no canto do quarto, cabeça entre as pernas, enquanto seu pai gritava exaustivamente a cinco centímetros de distância, alternando entre tapas na cabeça e pontapés nas pernas. O motivo? Gás não durou dois meses, ela estava do lado de fora conversando com a vizinha, era molho de peixe e não peixe frito etc.

 

– Meu bem, a gente aprende a colocar os filhos em primeiro lugar, a gente aprende a não sentir dor. Douglas já ganha a vida e vai se casar em breve, Alex já e um homem, mas tenho a pequena Aline, não posso deixar um lar despedaçado para ela – respondia Dona Lúcia aos questionamentos de Maria, a vizinha faxineira.

 

Aline cresceu. Aparelho ortodôntico para os dentes separados, vestidos mais colados e um namorado.

 

– É um menino bão, o melhor que tenho lá na oficina, minha filha está em boas mãos – Seu Decir se orgulhava.

 

Vanderlei era parceiro de sinuca e de branquinha do sogro. Dezoito anos e voz de locutor, o menino era visto com bons olhos por toda família e Aline, menina bonita de longas tranças e corpo formado, viu neste bom moço a oportunidade de casar e tirar a mãe daquela casa de sofrimento.

 

Engravidou.

 

Seu Decir morreu sem ver seu primeiro neto, ninguém se assustou, só tinha um fígado. E Aline, antes dos vinte, já havia casado no papel, sem o vestido branco e a festa que sonhou. A mãe preferiu continuar em casa com os filhos, afinal o mal se foi, deixando apenas uma cicatriz maior que o peito.

 

– Meu bem, é como o sino da igreja que toca de hora aqui na esquina tremendo toda a casa. Às vezes o moleque esquece e não sobe as escadarias para puxar a corda, mas meu corpo sente as batidas do mesmo jeito – Dona Lúcia explicava para filha.

 

Vanderlei, o menino bão, alugou casa perto dos pais da menina e nunca deixou nada faltar para a filha e a esposa. Mas no fundo de seus olhos vermelhos, Aline já enxergava em seu reflexo a imagem da própria mãe. O cheiro de alambique trazia lembranças involuntárias de uma infância recente de espancamentos e subordinação de uma mulher que teimava em esconder a dor da família, atrás de um sorriso amarelo e um prato de sopa quente.

 

– Tão linda! – a avó Dona Lúcia se babava ao ver a pequena neta se arrastando entre os móveis, enquanto ao fundo a filha se equilibrava entre o fogão e a tanque de roupas.

 

– Meu bem, não era pra ser assim – balbuciava no ouvido da filha ao se despedir no fim da tarde.

 

A menina, mulher, mãe, nada dizia, a boca ainda estava inchada da última briga e sob os olhos atentos da filha ela se apegava àquilo, o amava, sabe lá Deus por que, e muito, e sob o olhar atento dos vizinhos ela foi crescendo nas brigas diárias, elevando a voz e descendo o nível igualmente. E a menina bonita de cabelos cacheados deu lugar uma senhora de 20 e poucos anos, de feição triste e de andar arrastado.