Cansadas de buscar soluções junto às escolas e à Secretaria de Educação, mães partilham dilemas em grupo no WhatsApp; Prefeitura se posiciona

Crianças inseridas no espectro autista e que por isso precisam de professores especializados para lidar com esses casos estão sem receber o atendimento adequado em escolas municipais de Lagoa da Prata. Depois de se cansarem de buscar por soluções junto às diretorias e à Secretaria Municipal de Educação, e ficarem sem esperança, elas decidiram buscar ajuda entre elas próprias, por meio de um grupo no WhatsApp onde cada uma delas relata os dilemas que sofrem em busca do ensino para os filhos ocm autismo. (Veja abaixo a posição da Prefeitura ao PORTAL GERAIS)

  • O transtorno do espectro autista, popularmente conhecido como autismo, é um distúrbio do neurodesenvolvimento. Ele tem início nos primeiros anos da infância e persiste na adolescência e vida adulta, embora suas características possam reduzir de modo considerável mediante tratamento e terapias contínuas.

Uma das mães que enfrentam esse dilema em Lagoa da Prata é a dona de casa Adriana Rosa dos Santos, de 29 anos. Ela é mãe de um menino de 7 anos cujo nome não será citado nesta reportagem para preservar a criança. O filho de Adriana estuda na Escola Municipal Professora Afonso Goulart, no bairro Gomes.

Fachada da Escola Municipal Professora Afonso Goulart, no bairro Gomes (Foto: PMLP/Divulgação)

“Eu tenho um filho autista com grau 3 de suporte. No começo deste ano na escola já tinha uma professora-apoio para ficar com ele. Só que quem é aposentado depois de 2019 pela Prefeitura tinha que sair do cargo. E ela foi uma delas. Até então não tinha professora-apoio para ele. Tinha que esperar a Secretaria de Educação encaminhar. Enquanto isso ele ficava com uma e com outra professora e isso reduzia a carga horária dele, de 7h às 9h”, diz a mãe.

Crianças com autismo e ensino prejudicado em Lagoa da Prata

Insatisfeita com a situação, que passou a afetar drasticamente a carga horária escolar do filho, Adriana procurou a Prefeitura. “Teve reunião com a Semed [Secretaria Municipal de Educação]. Mas foi sem definição de nada. Disseram que vão contratar outros profissionais de educação, mas não falam quando e nem dão uma previsão de quanto tempo meu filho ficaria sem acompanhamento adequado”, relata.

Segundo a mãe, já faz dois meses que a rotina escolar do filho autista está prejudicada e ela segue sem definição por parte da Prefeitura. “Ainda está essa bagunça”.

Educação de portadores do espectro autista demanda acompanhamento especializado (Foto: Pexels/Divulgação)

Caso não é único

Não é apenas o filho de Adriana que segue sem suporte escolar adequado na rede municipal de Lagoa da Prata. Várias mães de crianças com autismo fazem o mesmo relato. Em um grupo criado no WhatsApp elas trocam relatos e buscam por melhores formas de lidar com cada caso.

“Muitas mães já conversaram com o prefeito. Tivemos uma reunião com o pessoal da Semed. Não resolveu nada. E assim tá. Nesta semana, mais precisamente na segunda-feira dia 18 de março, veio uma pessoa pra ficar com meu filho. Só que seria só de segunda a quarta-feira. E na quinta e na sexta-feira outra pessoa ficaria com ele. Só que a terapeuta ocupacional do meu filho garante que infelizmente isso não dá certo para o meu filho, porque um autista com grau 3 de suporte é um caso severo e a adaptação dele à escola não vai ser boa se for com professoras diferentes. Então, que permaneça com a outra que estava ficando com ele de 7h às 9h, até que a gente tenha o retorno da Secretaria de Edcucação”.

Adriana conta que na última quarta-feira (20/3) reuniu-se com a direção da escola. “Falei para meu filho permanecer com a profissional eventual que fica na unidade escolar, para que elas trabalhem das 7h às 9h. A diretora e a vice concordaram com essa ideia. Mas não puderam dar uma posição de quando vai ter professora fixa”, relata.

Outras escolas

A situação não ocorre apenas nesta escola. “Muitas crianças na parte da tarde não têm ninguém para ajudar. Com isso a diretora está tendo que ir para as salas para dar suporte. E não está faltando só professor apoio. Ouvi relatos de que falta também professor regente. A situação tá muito complicada. A gente procura um, procura outro, e não dá certo. Teve até uma mãe que já procurou a Promotoria de Justiça, que deu 15 dias para retornar. Vamos ver. Muitas mães com alunos matriculados em outras escolas municipais estão relatando muita dificuldade”.

Adriana considera inadmissível que as escolas públicas não cumpram a obrigação legal de oferecer o devido atendimento especializado. “Os laudos médicos das crianças estão disponíveis nas escolas há muito tempo e esses documentos detalham o tipo de atendimento especial que cada uma precisa. Já era para o ano ter começado com os professores de apoio necessários devidamente contratados. Está essa enrolação e não sei até onde vai parar essa situação. Para a gente que é mãe, é muito angustiante levar o filho à escola e, quando chega lá, ele fica a Deus dará. Meu filho fica lá de mão em mão e às vezes chora, dá crise e a gente precisa sair com ele da sala. É muito triste”.

O relatório médico que determina o tipo de atendimento escolar necessário para o filho de Adriana é do ano de 2021. Veja abaixo:

Laudo médico emitido pela terapeuta ocupacional do menino (Foto: Adriana Santos)

Outro lado

A reportagem do PORTAL GERAIS questionou a Prefeitura de Lagoa da Prata sobre a situação do filho de Adriana e também do dilema enfrentado por outras mães de autistas na rede municipal de ensino. Em nota, a secretária de Educação, Adriana Aparecida Ferreira, diz:

“Sobre a situação citada na reclamação, informamos que em 2023 a Rede Municipal de Ensino tinha o total de 84 crianças com laudos resguardados por lei. Houve um crescimento significativo para o ano de 2024 e hoje atendemos 154 alunos atípicos. Todas as ações necessárias para suprir essa demanda de professor apoio foi feita pela equipe da Secretaria Municipal de Educação e repassada em reunião no dia 20/2 à Associação de Pais de Autistas da cidade, pois prezamos sempre pelo diálogo e transparência”.

A secretária também cita ações adotadas:

“Solicitação de criação de novos cargos à Secretaria de Administração (ressaltando que estes novos cargos já se encontram em andamento, estando neste momento na Câmara), pagamento de horas-extras para suprir essa demanda, reagrupamento dos alunos de acordo com a Resolução CEE Nº 472 de 19 de dezembro de 2019 e orientação para a gestão escolar mantendo transparência e legalidade dentro de todas as ações”.

Escola Municipal Professora Afonso Goulart, no bairro Gomes (Foto: PMLP/Divulgação)

Por fim, a representante do Executivo esclarece sobre a situação do filho de Adriana Santos.

“Em específico ao caso do aluno citado, da Escola Municipal Professor Afonso Goulart, é fato que a professora apoio que o acompanhava se aposentou de acordo com a Reforma da Previdência de 2019, desde então o aluno passou a ser assistido pela professora eventual até a chegada da nova professora apoio que ainda está em andamento no Departamento Pessoal, seguindo todas as recomendações legais para sua contratação”.

Redução da carga horária para crianças com autismo em Lagoa da Prata

A Secretaria de Educação, acrescenta, atua em parceria com todas as unidades escolares do município e “jamais recomendará a diminuição da carga horária de nenhum aluno, sendo ele uma criança típica ou atípica, pois trabalhamos dentro da legalidade e temos por obrigação garantir a carga horária do aluno na íntegra”.

“A direção escolar através de uma gestão democrática, tem autonomia para a organização interna de seu quadro de pessoal de acordo com a demanda e as necessidades apresentadas, sendo assim, indagando a diretora, a mesma respondeu que apenas houve uma sugestão para a família dentro da flexibilização também garantida por lei no período de adaptação da criança, sendo essa ação de responsabilidade da equipe pedagógica da escola”, diz.

“A Secretaria Municipal de Educação concorda com a colocação da terapeuta em manter vínculo com o profissional, orientando a diretora para que a professora eventual que está acompanhando a criança desde a aposentadoria da professora-apoio permaneça todos os dias em horário integral até que a nova contratação aconteça”.

A secretária encerra afirmando que é fato que as barreiras enfrentadas pela falta de professores apoio diante do aumento expressivo de alunos com laudo é uma situação que vem sendo discutida não só nos municípios, mas também a nível estadual e federal, sendo considerado um dos maiores desafios do sistema educacional atualmente.

Secretaria de Educação reconhe importância se de manter único professor-apoio para acompanhar alunos portadores de autismo (Foto: Jade Autism/Reprodução)