Em tempos de internet, a distinção entre a liberdade de acesso à informações ou arquivos e a pirataria dos mesmos, é uma linha tênue, por vezes, difícil de identificar.

Douglas Fernandes

Quem já era crescido aí em meados da década de 2000, vai se lembrar da polêmica envolvendo o Napster, que na época, era um programa para compartilhamento de arquivos de MP3 entre seus usuários. Depois de sofrer uma série de ataques judiciais, como da banda Metallica, por exemplo, o programa foi “extinto” e agora retornou como um aplicativo licenciado da operadora Vivo. E ao que parece, essa abordagem mais liberal do conteúdo na internet tem se tornado um comportamento comum, porém essa postura tem criado um atrito com a indústria tradicional do audiovisual e se essa guerra continuar, a maior vítima pode ser você.

Retomando o exemplo do Napster, quando ele foi lançado, foi uma inovação e que deu início ao declínio da indústria fonográfica. Com a possibilidade de conseguir uma música em arquivo digital, comprar um cd mostrou-se obsoleto. Eu, por exemplo, não me lembro quando comprei um cd de música pela última vez.

Daí pra frente, as coisas veem mudando cada vez mais rápido e com mais impacto. Dizem que a série Lost (sendo boa ou ruim), mudou a maneira de ver televisão, porque ao invés de ficar preso na grade do canal televisivo, o fã podia facilmente baixar o arquivo da internet, com legenda, e assistir o episódio quando quisesse.

Daí, os arquivos baixado via torrent se espalharam por todo o mundo, disponibilizando filmes, séries, músicas, clipes, livros, quadrinhos, jogos, aplicativos e o que mais for possível disseminar pela net. E de forma semelhante ao Napster, a Netflix (serviço de streaming de vídeos) surge como um serviço oficial, oferecendo séries, filmes, desenhos e quadrinhos à preços irrisórios, o que lhe rendeu uma legião de assinantes: dos 14 milhões de assinantes no mundo, até setembro do ano passado a Netflix mantinha mais de 2 milhões no Brasil, o eMarketer. Operando há quatro anos no país, o serviço de streaming já está a caminho de superar as receitas da Band e da RedeTV! e faturar mais de R$ 500 milhões este ano.

Óbvio que esse mercado, liderado por anos pela indústria chamada tradicional, uma inovação como a Netflix, não cresceria assim tão fácil, sem atrair atenção e o ódio da concorrência. A Agência Nacional do Cinema (Ancine) já manifestou intenção de regulamentar os serviços de streaming no Brasil. Durante o Congresso da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), o presidente Oscar Simões afirmou a concorrência “assimétrica e injusta” entre a Netflix e os canais abertos de tv. “Não temos nada contra a Netflix, mas apelamos ao governo para que haja uma isonomia tributária”.

Segundo o site Action & Comics, o argumento dos executivos para explicar tremendo lucro dos negócios do “Uber do audiovisual” no país é que o pagamento do ICMS (Imposto de Circulação de Mercadoria e Serviços) seria ignorado. Segundo informações divulgadas pelo UOL, empresários do setor afirmam cumprir 1,6 mil obrigações tributárias e burocráticas e gera mais de 135 mil empregos. Enquanto isso, a Netflix estaria livre de tributações e teria apenas algumas dezenas de empregados no Brasil.

A Ancine e a Anatel, que regulamentam o setor, ainda dividem opiniões sobre o serviço de Video On Demand (VOD) e da modalidade over-the-top (OTT). Enquanto o presidente da Ancine, Manoel Rangel, prometeu regulamentar o serviço de streaming oferecido pela Netflix, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) foi cautelosa e admitiu ter dificuldades em “enquadrar as OTTs sob as mesmas regras das operadoras de TV por assinatura”.

Ainda dentro desse tema, o ministro da Fazenda Joaquim Levy confirmou que o governo está estudando formas de tributar o setor de internet. Devido à queda da arrecadação e dificuldades de elevar receita. A nova tributação “é um dos temas globais” e será aprofundado neste segundo semestre.

Esse embate se assemelha muito à polêmica do Uber e dos taxistas. O que está em discussão é, na verdade, a qualidade dos serviços prestados. Assinar a Netflix e ter à sua disposição séries aclamadas como Breaking Bad ou filmes clássicos como Um Estranho no Ninho, que podem ser vistos quando e onde o assinante quiser, é muito, muito, muuuuuito superior a ficar refém dos malditos programas de auditório aos domingos, à filmes de categorias duvidosas e programetes sem qualquer conteúdo bem produzido.

Então, creio, que mais do que se debater e exigir a regulamentação da Netflix, a mídia tradicional deveria, sim, buscar se adequar e inovar com novos modelos de negócio, oferecendo um serviço de qualidade. Já vi canais abertos comprando séries que acabaram de ser canceladas. Desrespeito claro com quem o seu público. Além disso, você é obrigado a ficar acordado até altas da madrugada, consumindo um conteúdo horroroso, para poder ver a sua série.

O mercado da comunicação e informação sofreu um baque com a popularização da internet. O grande problema é que muitos ainda não perceberam que modelos tradicionais não funcionam mais. Exemplo é quando entidades da indústria cinematográfica tentam derrubar os servidores de torrent. No final, os sites dessas entidades sofrem ataques maciços de hackers em todo o mundo e os servidores renascem, com maior conteúdo do que antes.

Culturalmente, a prática já está enraizada. Então a questão agora é o que fazer para inovar. No caso do Uber, teve taxista que ao invés de perseguir, agredir ou sequestrar seu concorrente, resolveu oferecer água e bombons aos seus clientes. E bombou nas redes sociais. Fica aí uma sugestão para os grandes, que podem concorrer com acesso livre da internet se souberem inovar.