Aos 99, ex-combatente da 2ª Guerra Mundial teve falência de órgãos; filho narra legado

Ricardo Welbert

Morreu na madrugada desta sexta-feira (15), aos 99 anos, o ex-combatente João Okada. Descendente de japoneses, Okada defendeu o Brasil na 2ª Guerra Mundial em 1944. De origem paulista, mudou-se para Divinópolis há algumas décadas, onde fez família e amigos.

João Okada era reconhecido em casa pela boa saúde. Prestes a completar 100 anos (a marca seria alcançada no próximo dia 31 de julho), nunca precisou ser internado. Porém, há poucos dias ele começou a relatar desconforto e foi levado ao Complexo de Saúde São João de Deus. O diagnóstico foi fibrose no pulmão.

Como aposentado do Exército, foi transferido para o hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte. Após poucos dias, morreu por falência dos pulmões e também por complicações nos rins. O velório ocorreu no cemitério Parque da Serra, em Divinópolis. O sepultamento, às 15h30, teve honrarias militares. 

João Okada durante uma de muitas homenagens recebidas (Foto: Arquivo familiar)

História

No dia 1º de setembro de 1939, as forças nazistas de Adolf Hitler invadiram a Polônia. Era o início da Segunda Guerra Mundial. João Okada foi enviado à guerra em 1944, durante o período da ditadura de Getúlio Vargas. Em entrevista concedida há um ano para um documentário, Okada contou assim um pouco da própria história.

“Eu nasci no estado de São Paulo. Mas os japoneses vinham ao Brasil para ganhar alguma coisa e voltar. Então não fui registrado aqui no Brasil. Eu só me registrei aqui quando já tinha 19 anos. Eu andava sem documento nenhum. Daí encontrei um amigo que tinha um pouco de conhecimento e me perguntou se eu tinha documentos. Eu disse que não e ele falou que não poderia ser assim, pois, se eu morresse, seria enterrado como indigente. Esse meu amigo se comprometeu a ir comigo a Montes Claros para tirar meus documentos”, contou.

Reprodução de um registro do começo da carreira militar de Okada (Foto: Arquivo familiar)

Pouco tempo depois, Okada se apresentou ao Exército Brasileiro. Fez testes de aptidão e exames clínicos que atestaram sua boa saúde. Ele foi, então, convocado. O Brasil participou do conflito a partir de 1942, quando o então presidente, Getúlio Vargas, enviou à Itália os militares da Força Expedicionária Brasileira.

“A preparação para a guerra aqui durou seis meses. O treinamento ocorreu em São João del Rei. Passava muita necessidade, mas era necessário. Quando fomos para o Rio de Janeiro, veio um americano e disse que os homens do Brasil não valiam de nada e, portanto, eles nos dariam instrução. Pois agora a guerra era moderna”, narrou.

O Brasil entrou na guerra aliado aos Estados Unidos. O Japão era inimigo. Mesmo sendo filho de pai japonês, Okada lutou fielmente pelo Brasil. Segundo ele, na guerra o patriotismo e o companheirismo são essenciais. “Na guerra a pessoa precisa ser humilde, mansa, amorosa. Se alguém tinha cigarro ou bolacha, repartia”, relatou.

Aos 99, João Okada gostava de contar histórias dos campos de batalha (Foto: Arquivo familiar)

A Segunda Guerra teve fim em 2 de setembro de 1945. Japoneses assinaram um documento que reconhecia sua rendição incondicional aos americanos. Os nazistas renderam-se aos aliados em maio de 1945.

“Quando acabou a guerra, a despedida foi dura. Todo mundo queria ver a família, mas muitos eram de lugares muito longe. Cada soldado foi para seu estado”, recordou. João Okada foi a Belo Horizonte, onde se casou. Depois mudou-se para Divinópolis, onde constituiu uma grande família. Teve 14 filhos, que já lhes deram muitos netos e bisnetos.

Saudade

Quase toda a família Okada vive em Divinópolis. No dia da morte do pai, o músico Marcos Okada (popularmente conhecido como Xina), de 61 anos, conversou com o PORTAL GERAIS.

“Só temos uma irmã em São José dos Campos e dois irmãos no Japão. Meu pai com certeza viveu muitos problemas na vida, porque não é fácil criar uma família tão grande. Ele nos deixa um grande legado de honestidade, bom pai e boa pessoa. A gente fica feliz por saber que ele não sofreu tanto. Deus o tirou no momento certo para não sofresse mais”, disse o filho.

João Okada entre o filho Marcos Okada e a neta Rafaela Akemy Okada (Foto: Arquivo familiar)

Apesar da avançada idade, a internação hospitalar iniciada há poucos dias foi a primeira de Okada. “Meu pai tinha saúde demais. Nenhum filho tem a saúde que ele tinha. Ele viveu quase 100 anos e a primeira vez em que ele foi internado em um hospital foi agora, de onde não saiu mais. Imagine a pessoa viver tudo isso sem precisar se internar. Foi o caso dele”, conta Xina.

Homenagem oficial

A Prefeitura de Divinópolis divulgou uma nota de pesar na qual se solidariza com amigos e familiares e ressalta que Okada gostava de participar das comemorações de aniversário da cidade. “Reconhecemos os seus atos de bravura e heroísmo que merecem todo o nosso respeito”, afirmou o Executivo.

Registro de João Okada em casa (Foto: Arquivo familiar)