Não era muito inteligente rir: o couro comia. Então eu me mantinha em pé, rígido, mãos para trás e olhos fixos naquele senhor tão querido e visivelmente irritado.
– Deus está vendo tudo, menino. Você precisa obedecer os mais velhos, parar de ficar brincando na rua, tirar notas melhores na escola… seja um homem! – ele praticamente não piscava, enquanto tentava me amedrontar com o ser punidor invisível, que, aparentemente era bem íntimo dele.
E eu só tinha chutado uma bola no muro – não podia.
Sem televisão, apenas com um rádio chiando que só sintonizava uma frequência, era por ele e mais ninguém – eu o amava. E no rigoroso inverno do começo da década de 90; bermuda, chinelo, camisa de botão semiaberta, um chapéu de palha bastante castigado, um saco de farelo vazio e duas varas de bambu.
– Acorda, cinco minutos e estou indo!
Em três movimentos e já havia pegado meus chinelos, blusa, óculos e vestido as calças. O sol ainda demoraria uma hora para aparecer.
Sentados à beira daquele lago congelante, ele não sabia, mas eu odiava pescar. A gente permanecia naquele silêncio, que para muitos seria constrangedor, mas para mim era uma longa conversa, uma aula de paciência… até que o peixe fisgava.
Sábado, sol apontando quase meio-dia, saco cheio de peixes, algumas pessoas chegando:
– Parabéns, filho!
– Senhor?
– Parabéns, seu aniversário, oito anos, já é um homem, carregue os peixes! – e saia em disparada, enquanto eu arrastava de costas o saco de farelo com as duas mãos.
Já sentados na F100, alguns segundos de paciência até o motor aquecer.
– Achei que o senhor não sabia – eu disse.
Ele sequer me olhou, puxou o freio de mão e fechou a janela para se proteger da fumaça daquele rancheiro.
– Não magoe ninguém!
Eu quis perguntar o que ele quis dizer, mas ele me olhou diretamente, pela primeira vez naquela manhã.
– Este é meu conselho para o seu aniversário, uma coisa que aprendi errando e você não vai precisar errar pra saber que não se deve fazer.
Franzi a testa, cocei a cabeça, ia perguntar, mas ele continuou.
– Sua avó não conversa comigo há três anos, você sabe, todos sabem e talvez nunca mais voltaremos a nos falar. Não magoe ninguém.
E partiu.
O caminho até nossa casa foi silencioso, como sempre e eu podia ver pelo espelho seus olhos úmidos, sua feição triste, seus dentes fortemente cerrados. A vontade era de o abraçá-lo o mais forte que eu pudesse, fechar os olhos e apertar mais… me concentrei na paisagem da janela.
Naquela ano vovó morreu. A casa se encheu de parentes, vizinhos e desconhecidos numa descontrolada lamentação.
Chorei.
Mãos na face e rosto entre as pernas. Sentado num canto da cozinha eu chorei.
– Menino, levanta!
Em pé, na minha frente, meu avô me puxou para um abraço mais forte que o meu corpo podia aguentar – fechei os olhos.
– Não chore, vai me magoar!
Nunca mais chorei.