Antonio Andrade

 

Toninho

 

“É hora de partir, meus irmãos, minhas irmãs

 

Eu já devolvi as chaves da minha porta

 

E desisto de qualquer direito à minha casa.

 

Fomos vizinhos durante muito tempo

 

E recebi mais do que pude dar.

 

Agora vai raiando o dia

 

E a lâmpada que iluminava o meu canto escuro

 

Apagou-se.

 

Veio a intimação e estou pronto para a minha jornada.

 

Não indaguem sobre o que levo comigo.

 

Sigo de mãos vazias e o coração confiante.”

 

– Querida, que lindo texto! Pedi que recitassem algum verso que gostassem, por que este? – indagou a professora visivelmente espantada.

 

Clara escolheu Vinícius de Moraes e sua casa muito engraçada. Jonas arriscou um “É isso ou aquilo” de Cecília Meireles e o pequeno Alisson Augusto foi de Maria Clara Machado, com um trecho da bruxinha que era boa… textos infantis, mas Lúcia citou o Nobel da Literatura, Rabindranath Tagore.

 

– Havia uma velha que morava em frente minha casa e mamãe chamava ela de mãe, mas ela não era. Era muito boa, nos dava verduras frescas e balas de menta, mas um dia ela caiu, a cadeira estava virada, o prato de sopa partido em três e um papel com este verso debaixo de um pires para café na mesinha de centro. Era domingo, eu tinha ido cedo buscar cebolinha e a porta estava aberta; chamei, entrei devagar e a casa cheirava a rosas. Toquei em seu rosto e ela parecia dormir com um leve sorriso e os cabelos cuidadosamente penteados. Este verso foi sua despedida e, não sei porque, sinto que foi meu despertar – disse Lúcia em tom quase inaudível para a professora assustada.

 

– Despertar para o que?

 

– Para o entendimento de que não é preciso morrer para partir. Ela acordava as 6 horas, aguava suas plantas, lia seu jornal enquanto o café coava e após o último gole amargo, ficava a aguardar o fim do dia. Isto já não era a morte, professora?