Na vida real Divino era assim para aquela cidade: o resultado da falência humana. Um modelo de ser a não ser seguido. Meu filho, dizia a mãe repreensiva, se você não estudar vai virar um Divino.
Divino batia ponto todos os dias na praça central da cidade. Maltrapilho, de barba e cabelos brancos, longos e sujos, metia medo nas criancinhas que passavam perto dele. Não tinha quase nada, e o pouco que juntava carregava num saco.
O mendigo vivia há muito naquele lugar e se incorporou ao espaço. Virou até referência quando alguém citava o local. Diziam que era a Praça do Divino.
Apesar do estado de pobreza e necessidade extrema, Divino se recusava a pedir. Quem passava na sua praça e se tocava com a situação, e queria contribuir para sua subsistência, ele aceitava as migalhas, mas nunca pedia. Era a soberba da pobreza que impedia que fizesse tal coisa. Um resto de amor próprio que lhe sobrou.
Divino era carrancudo. Falava pouco e era “coletor”. Juntava latinhas, tampinhas coloridas e tocos de várias formas e montava um mundo ao seu redor. Criava com aquelas peças um reino que estava ao seu dispor. Ele, sujo e barbudo, era seu soberano. Nessa fantasia ninguém o julgava. As peças eram inanimadas como ele.
Na vida real Divino era assim para aquela cidade: o resultado da falência humana. Um modelo de ser a não ser seguido. Meu filho, dizia a mãe repreensiva, se você não estudar vai virar um Divino.
Em outro canto, outro pai “zeloso” com a educação da filha sentenciava: Eduarda, se você não tomar banho vai virar um bicho. Olha o Divino, viu no que ele se transformou?
De tanto seu avô falar no tal homem do saco que mora na praça e pega criança desobediente e a transforma em toquinhos, garrafinhas ou tampinhas, Zezinho passou a ter um medo sobrenatural do Divino. O menino andava, sim, na linha por causa dele.
Mas o Divino era soberano e dono de um reino gigantesco aqui na Terra. Essas maledicências dos homens contra ele não o afetavam. Vivia seu mundo e era isso que o interessava. Era onipotente.
Só as pessoas medíocres necessitam deste tipo de exemplo para se sentir melhores ou, no contrário, conter o que de ruim há dentro de cada um. Para boa parte da cidade o Divino materializava isso: o que de ruim somos ou podemos nos transformar.
Só se esqueceram que Divino não era mau, e tampouco rotulava os outros como faziam com ele. O Divino, ser Onisciente, não gostava de incomodar as pessoas com a sua miséria. Ora sobrevivia de quem ia de encontro a ele ou do que coletava de bom no lixo do homem.
Divino não era Deus, mas realizava seus pequenos milagres. Aos de bom coração fazia despertar a consciência. Quem não entendia suas simples lições permanecia na obscuridade da ignorância.
É onipresente. Está em cada canto do seu mundo. Sua presença é marcante e até hoje perturba aquela cidade. Como eu e você, o Divino é a imagem e semelhança de Deus.
Divino é o redentor.