Antonio Andrade

 

Toninho Andrade - partiu

 

– Espere! Eu não quero morrer. O café esta posto à mesa, o bolo de fubá só falta a calda e as violetas estão secas como o sertão. Papai me confiou a senha pra sacar a aposentadoria e a vovó não consegue acender sozinha o fogão à lenha.

 

Bem sabes, agora sou pai. Trago no bolso dessa surrada jaqueta outra intimação para uma reunião – Pedrinho não tem ido bem com as exatas. A casa sequer esta quitada, a varanda esta em reforma e Janice me deixou um balde de tinta ao pé da cama para que eu pinte o corredor de salmão.

 

Vê? Pedro me chama, de certo dificuldade com a lição. Oito anos, oito anos… Não! Desculpe, mas eu não posso ir. Aqui tenho responsabilidades, um amor solidificado, um ponto para bater às sete e muitas prestações desse sonho que hoje chamamos de lar.

 

– Querido, muito bonito essa lereia aí, mas de quadrinhos de Maurício de Souza a Supernatural, eu não sou muito famoso por negociar. Trata-te de dar o último suspiro e se arrepender de ter postergado alguma missão.

 

– Missão?

 

– Ora, não há morte sem arrependimento. Pode ser o boleto do seguro de vida atrasado, ou esquecer de pedir desculpas a mulher após uma idiota discussão. Sádico? Eu sei, eu sei, eu sei… mas querido, meu tédio só não é pior que esse roupão preto nesse calor desgraçado e essa foice afiada que sou obrigado a carregar para fins de decoração – sem isto o povo não me reconhece. E, sem choro, pelo amor de qualquer coisa.

 

– Queria ver meu filho crescer…

 

– Nah.

 

– Dar um abraço em Janice, deixar uma carta de despedida, fazer um vídeo para meu filho veja quando estiver mais velho. Porque não posso negociar por algo que é meu?

 

– Ô filhão, não é suicídio, entende? E você não é o Michael Keaton no filme “Minha Vida” pra fazer vídeo ensinando o filho a barbear. E não, não é seu e esconder atrás da cômoda não vai te ajudar muito, vai por mim.

 

– Doi?

 

– Oi?

 

– Se doi muito.

 

– Não, eu trouxe morfina! Taquepariu, viu! O Seu Joaquim da rua de cima foi muito mais fácil e olha que ele é rico, você só tem dívida. Deita na cama, filhão, é infarto, se tu morrer ai neste canto vai parecer que foi de susto ao matar uma barata, fica feio, vai por mim.

 

– Ta bom! – disse desolado enquanto subia na cama com olhos arregalados, quando parou de repente – Perai, e depois, o que vem depois?

 

– Oi?

 

– O que acontece no pós-vida?

 

– Assistiu a novela “A Viagem”?

 

– Claro

 

– Então, nada daquilo.

 

– Que bom, porque meu nome é Alexandre.

 

– Partiu, filhão, tenho ainda que pegar um ateu antes do almoço, trouxe até minhas asinhas de plástico pra botar o terror.