Vereadora e vereador criticam projeto aprovado que tenta restringir aborto legal em Divinópolis, acusando-o de ser inconstitucional e moralista
A vereadora Kell Silva (PV) fez duras críticas ao projeto de lei denominado Pró-Vida, apresentado pelo vereador Matheus Dias (Avante), durante a reunião ordinária na Câmara Municipal de Divinópolis, na ultima quinta-feira (27/03). Os vereadores aprovaram o texto por 14 votos a favor.
Em um discurso marcado por posicionamentos firmes, ela classificou a proposta como “moralismo” e “lacração”, além de afirmar que o projeto não atende às reais necessidades da cidade.
- Bolão de Piumhi leva R$ 110 mil na Mega-Sena
- PIB de Minas cresce 1,4% no 1º trimestre de 2025 e amplia participação na economia nacional
- Comitiva de autoridades brasileiras contesta Itamaraty após deixar Israel em voo fretado
- Audiência pública: Vereadores vão emitir nota de repúdio contra repasse da Uemg para a União
- Projeto “Mãos que Aquecem” confecciona e doa meias de lã para idosos em Carmo do Cajuru
“Deixar esclarecido aqui quem está falando hoje: sou eu, Kell Silva, vereadora eleita com mais de 2.000 votos, e não a Kellen, que é mãe, esposa, que tem uma preocupação e são os achismos próprios. Eu estou falando aqui em prol da sociedade”, afirmou a parlamentar
Debate local e legalidade do aborto
A vereadora destacou que o projeto Pró-Vida aprovado não se encaixa na pauta municipal e criticou a abordagem adotada por Matheus Dias.
“Se a gente quer discutir o Brasil, aqui não é o lugar. Se a gente quer discutir o Brasil, a gente tem que ir para a Câmara dos Deputados. Aqui a gente discute é Divinópolis. E Divinópolis tem muitos problemas que a gente precisa estar debatendo”, enfatizou.
Ela ressaltou que o projeto Pró-Vida ignora o que considera ser o ponto central da questão a violência contra vulneráveis.
“Não é movimento como estão dizendo, é sobre a questão do estupro de vulneráveis, de crianças e adolescentes. O ponto que a gente deveria estar discutindo aqui, senhor presidente e companheiros vereadores, é a eliminação do estupro de vulneráveis e de crianças e adolescentes”, frisou Kell.
A parlamentar reforçou que os casos que levam ao aborto legal, como estupro e risco à vida da gestante, são amparados pela legislação federal.
“O aborto não é liberado no Brasil. A gente precisa falar os termos corretos. O aborto legal é para casos de estupro. Não é uma pessoa que vai lá e diz: ‘Eu quero abortar’. Isso não é aborto legal”, argumentou.
Projeto de lacração
A vereadora não poupou críticas ao conteúdo e ao propósito da proposta, na qual classificou como “lacração”
“Se quer mudar isso, não é aqui. Aqui não é lugar de fazer lacração. Se quer fazer lacração, falar sobre outras questões, não é aqui o espaço. O espaço é para discutir Divinópolis”, alfinetou.
Kell Silva ainda ressaltou que o projeto desrespeita normas federais e jurídicas já consolidadas, como o Código Penal e resoluções do Supremo Tribunal Federal (STF) que garantem o direito ao aborto legal sem autorização judicial ou parental.
“O aborto legal é uma norma federal, nós não podemos legislar por isso, por mais que a gente queira”, explicou.
Riscos e retrocessos
Além disso, para a vereadora, a proposta representa um retrocesso ao criar barreiras adicionais para o aborto legal, especialmente para adolescentes vítimas de violência.
“O projeto cria mais uma barreira ao aborto legal, porque vai aumentar o quê? Procedimentos clandestinos que vão levar a vida dessas mães”, alertou.
Kell Silva destacou dados preocupantes sobre violência sexual contra menores, além disso, apontando que 67% das meninas vítimas são violentadas por parentes próximos.
Ela criticou ainda a exigência de relatórios mensais sobre abortos realizados, alegando que isso fere o sigilo médico e pode expor adolescentes a represálias e violência familiar.
“Isso pode violar o sigilo médico-paciente, desrespeitando normas éticas e o direito à privacidade da adolescente”, criticou.
Além disso, a vereadora também apontou que a multa às unidades de saúde pode inibir a realização de procedimentos legais e seguros.
Vereador Vitor Costa reforça críticas ao projeto
O vereador Vitor Costa (PT) também se posicionou de maneira firme contra o projeto Pró-Vida, ressaltando que o tema não cabe ao âmbito municipal.
“Antes, queria iniciar minha fala aqui dirigindo às pessoas que estão nos assistindo e presentes em plenário, dizendo que ninguém aqui é a favor do aborto. Não existe ninguém que seja em sã consciência a favor do aborto, mas ele precisa ser debatido com responsabilidade e aonde compete”, destacou.
Vitor também criticou a interpretação equivocada do projeto.
“Vi vereadores dizendo aqui hoje que estudaram o projeto de lei, pois eu também estudei e vi vereadores dizendo que não fala sobre aborto. Tá aqui, né? Nós recebemos a ordem do dia, grifei pra quem quiser ver. Está escrito aqui, grifado: procedimentos abortivos”, afirmou.
O parlamentar também ressaltou que o projeto possui impedimentos legais para tramitação.
“Quem tem o mínimo de interpretação de texto vai saber o que está escrito aqui. É um projeto que não deveria ser tratado dentro dessa casa”, reforçou.
Vitor Costa ainda acusou o projeto de ser uma estratégia eleitoral disfarçada.
“Quem está querendo ser candidato a deputado federal que vá pra rua, dispute votos e debata o tema onde compete, porque a Câmara de Vereadores de Divinópolis já tem muito problema para lidar”, alfinetou.
Realidade e consequências
Além disso, o vereador também abordou a triste realidade dos abusos sexuais contra crianças e adolescentes.
“A realidade, e a triste realidade, é que a maioria dos abusos acontece dentro da família. Esse projeto de lei, vocês podem estar passando o direito de decidir para o abusador. Isso é uma responsabilidade que, embora pelo contexto político dessa casa, eu imagino que vamos perder nessa tarde. Mas eu jamais queria estar do lado de quem vai ganhar hoje”, lamentou.
Vitor finalizou sua fala destacando a inconstitucionalidade do projeto. “Eu jamais aceitaria votar um projeto que é claramente inconstitucional”, concluiu.
Educação sexual como solução
Em seu discurso, a vereadora Kell defendeu a ampliação da educação sexual nas escolas como solução para prevenir a gravidez indesejada e a violência sexual.
“Na minha época de escola, eu fui traumatizada com os vídeos que se passavam, porque a gente teve uma educação sexual. E isso foi melhor do que qualquer remédio contraceptivo”, relembrou.
Ela reforçou que o projeto, ao criar barreiras e impor moralismo, acaba desconsiderando os direitos fundamentais das vítimas de violência sexual.
“Esse projeto não é apenas juridicamente inviável, mas também coloca em risco a saúde e os direitos das adolescentes”, afirmou.
Além disso, antes de encerrar, Kell Silva deixou um alerta “Se acontecer uma desgraça nessa cidade, a minha consciência está tranquila. Eu quero saber se a dos senhores também vão estar”, finalizou.
O projeto de lei foi aprovado por 14 votos favoráveis. Apenas Kell Silva e Vitor Consta votaram contra.