Rodrigo Dias

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Semana passada, ao sair da academia à noite, passei por um flanelinha numa área de estacionamento público de veículos e ouço dele, com um sorriso nos lábios, a seguinte expressão:

– Por hoje chega. Vou pra casa descansar. Tô “garrado” desde as 8h da manhã aqui.

A fala daquele rapaz maltrapilho, de chinelo de dedo e com uma barba de mais de uma semana por fazer, me chamou a atenção. Ela soou com certo ar de satisfação de quem deu duro, trabalhou, e venceu o dia.

Se fosse numa outra condição, se o rapaz em questão tivesse lá um trabalho formal, seria, sim, dignificante ouvir dele isso. Afinal de contas, nada mais prazeroso para quem dá duro do que chegar ao final do dia com a sensação de que valeu a pena todo o esforço. Que, mesmo apesar do cansaço, foi possível produzir e, no fim de tudo, com o seu suor, contribuir para que a vida melhore e a sociedade também.

Só que no caso em questão isso não ocorre na prática. Apesar do ar simpático e falante, o flanelinha tem como ofício a extorsão. Nos taxa por um serviço que não existe e tampouco é regulamentado. E caso haja questionamento da cobrança por “olhar o carro”, alguns chegam a ser violentos. Quando não danificam o veículo de quem não se sujeita a entrar neste jogo de extorsão.

O flanelinha, com seu exemplo, ensina. Aqui ou em outra parte do Brasil os valores são distorcidos de acordo com as conveniências. A clandestinidade e o escuso se institucionalizam. Tornam-se “aceitáveis” pela omissão de quem deveria zelar pela legalidade.

O ilícito se torna permitido e quando isso ocorre tudo fica possível. Vai desde a extorsão do flanelinha, passa pelo traficante de drogas, que vira o Estado na favela, e chega ao político, que acha que o que é público lhe pertence.

Um país para ser levado a sério tem que proteger o homem de bem e lhe dar garantias de ter uma vida digna. Um país para ser sério tem que oferecer condições para tirar da marginalidade aqueles que podem se tornar pessoas de bem de fato.

A sociedade tem que ter o seu conjunto de valores comum a todos. Não dá para cada um criar o seu. No sentido do “errado” virar o certo a ponto de dignificar quem optar por este caminho.

Se for assim, lamentavelmente o errado será aquele que tenta ficar certo. Neste estágio, a decadência da sociedade estará instaurada.