Na roça era assim: vida muito sofrida e com algumas privações, mas independente disso as pessoas gostavam do campo. Do ar puro, do jeito inocente da gente do lugar e da amizade que se fazia. Se tem algo típico da roça é a solidariedade. Seja pra arar o pasto, pra rezar em homenagem ao santo padroeiro e até mesmo pro forró.
Se tempos atrás a vida era muito sofrida e de trabalho na roça, o povo também sabia se reunir para coisas boas. A criançada, por exemplo, aproveitava a noite para caçar vaga-lumes e colocá-los num pote de vidro que ficava todo alumiado. Já os mais mocinhos iam pra beira do rio nadar e depois aproveitavam para pescar e garantir a mistura da janta.
Era tudo muito simples, mas todo mundo se divertia, e o que é mais importante: juntos. Interação é palavra antiga e que agora virou moda, mas o povo da roça já conhecia bem. Muito mais do que ser só a relação firmada entre duas interfaces, ligando o mundo real ao virtual, a interação ou interatividade prevê, na primeira e última análise, a ligação entre as pessoas independente do meio que utilizam para isso.
Parece que quanto mais simples o tipo de sociedade mais direta essa interação, uma vez que é gente ligada à gente por laços comuns. É a tal da identidade se consolidando. Quanto mais complexa a sociedade, a interação ou interatividade vai ficando mais sofisticada/complicada e ao mesmo tempo em que aproxima afasta as pessoas. Fica cada um no seu quadrado, no seu mundinho ou universo paralelo.
Na roça, quando se caçava vaga-lumes, tudo era real num mesmo plano. Hoje criaram a tal de realidade aumentada, que quer unir dois mundos. Um que existe e outro criado para o homem não ficar só em si.
Realidade aumentada tinha que ser a ampliação do meu mundo no contexto do mundo do outro e não apenas no âmbito virtual. Quando a realidade aumentada vence os muros de cada um e dá vista para o quintal do outro podemos ver, sem obstáculo, o que impacta o próximo.
Com isso, abre espaço para uma visão humanizada que permite entender o que nos divide. É como se estivesse todo mundo num mesmo pasto a caçar vaga-lumes. Lado a lado. Com suas limitações e habilidades.
Não se trata de um mero jogo. A realidade aumentada inaugura um novo tempo, que merece ser mais bem avaliado do ponto de vista social e antropológico. Se antes a curiosidade era chegar ao espaço e desvendar os mistérios das galáxias, agora o que intriga boa parte da humanidade é decifrar os mistérios deste mundo virtual que ela mesma cria.
Se antes vivia-se na roça, a existência do homem agora é dentro da aldeia global. Conectada, tão aproximada e também tão distante. Entender essa realidade e a necessidade de criar cada vez mais elementos num mundo virtual é um desafio.
Talvez uma das teses para viver nessa realidade estendida seja a possibilidade de controle do mundo virtual. Quem sabe não seja ele menos complexo do que real?
Jogos, por vezes, são formas de fuga. Entretenimento a uma realidade que às vezes se mostra incômoda.