Qual a diferença entre alta literatura e o pulp fiction? Quem deveria se habilitar a escrever? Que tipo de literatura pode transcender a realidade? Que leitor é capaz de transcender através da literatura? Por que escrever? Todas perguntas que se respondem sozinhas, se conseguirmos responder à questão ética que as sustenta, mas se até na teologia, em que mais da metade das perguntas tem como resposta automática “deus” isso é um debate em aberto, no nosso mundo laico…

 

 

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O papa Bento XVI sempre teve uma posição muito firme quanto à forma da música sacra, muito firme, mas cada vez mais impopular. Para ele a música na liturgia deve ser uma ferramenta de transcendência, que aproxima o humano do divino através de sua beleza. Sendo assim, a música em si precisa ser capaz de criar este enlevo através de suas características próprias, acordes, tons, etc. Aliás, a busca dessa música transcendente é algo bem antigo na Igreja Católica e a Música no ocidente, como área do conhecimento, sistematizado, com regras, sistemas e movimentos culturais, tem seu nascimento dentro da igreja.

Gostos pessoais a parte, caso tenha tido a sorte de assistir uma missa com um coro de verdade cantando o Hallelujah de Händel tem uma ideia do que é o estado de graça que o papa deseja que a música litúrgica provoque. Infelizmente para ele, missas com músicas populares são cada vez mais comuns e Haendel cada vez mais raro.

Existe uma discussão teológica interessante e profunda em torno dessa questão que vem dos tempos da Reforma: o quanto cabe à congregação participar da missa? Apenas ouvir o coro, ou cantar junto? A resposta dessa questão, que é antes de tudo ética vai definir o que é a música sacra, que é uma questão estética.

Um coro treinado pode cantar composições que abrem as portas dos céus e materializam a presença dos anjos, mas uma congregação é incapaz. Mais da metade vai desafinar, mais da metade vai atravessar, é impossível ter mais de uma voz, é impossível balancear as vozes e há pouco que possamos fazer para resolver isso, porque estas são questões técnicas e a única alternativa seria obrigar todos os fiéis a fazerem aula de canto coral.

Mas repare que assim como a Reforma Protestante não é só sobre religião, mas sobre a nascente modernidade, essa questão não é apenas teológica, mas sobre democracia e aristocracia. Democracia, como todos sabem é governo do povo, mas só na universidade vim a saber que áristos em grego significa “melhor”. Devemos ter sacerdotes, políticos e artistas profissionais, ou é melhor que isto seja feito por todo e cada um? Esta é uma questão ética, e no que me toca, enquanto escritor, e portanto artística, com profundas repercussões estéticas.

A figura do artista, figura mística, capaz de produzir obras que libertam e revelam, comovem e inspiram se choca com o mundano de algumas obras e com a ideia de que a produção da arte é algo acessível a todos, que está por trás de sites de autopublicação como o fanfiction.net ou WattPad.

Qual a diferença entre alta literatura e o pulp fiction? Quem deveria se habilitar a escrever? Que tipo de literatura pode transcender a realidade? Que leitor é capaz de transcender através da literatura? Por que escrever? Todas perguntas que se respondem sozinhas, se conseguirmos responder à questão ética que as sustenta, mas se até na teologia, em que mais da metade das perguntas tem como resposta automática “deus” isso é um debate em aberto, no nosso mundo laico…

A distância crescente entre o sucesso de crítica e o de público e a recusa da alta literatura em aceitar gêneros inteiros, como a ficção científica e fantasia são provas, não só de que as respostas ainda estão longe de aparecer, mas que cada vez mais há semelhanças entre a Literatura, enquanto campo do conhecimento e a igreja. O sucesso cada vez maior de livros que a Literatura avalia como tecnicamente péssimos nos faz pensar também até que ponto os valores, muito firmes, da Literatura não estão também se torando também impopulares, como as posições de Bento XVI.