Superfaturamento, descontrole fiscal e sucateamento estão entre problemas listados por consultoria em pente-fino
Com dívidas que ultrapassam R$ 9 milhões, a Santa Casa de Santo Antônio do Monte (Samonte) amarga as consequência de má-administração e até condutas criminosas ao longo de anos. Colaboradores em vários níveis parasitaram a instituição filantrópica, inclusive usando a estrutura hospitalar para lucro próprio. Essas são algumas das conclusões feitas pelos consultores da CSS Soluções em Saúde, empresa contratada para passar um pente-fino na gestão hospitar, financeira e jurídica. Um relatório detalhado da crise foi apresentado na Câmara durante a reunião ordinária de 29/4.
A CSS Soluções em Saúde começou a prestação do serviço de consultoria independente à Santa Casa de Samonte em agosto de 2023, a partir da proposta de um choque de gestão administrativa solicitado pelo prefeito Leo Camilo (Avante) e Gilberto Brasil de Sousa, curador da instituição. Tanto o prefeito assim como o médico perceberam o risco de a Santa Casa deixar de ser polo da microrregião de saúde, o que poderia trazer graves consequências à saúde pública.
Caos hospitalar
A primeira parte da apresentação no Legislativo foi feita pela executiva da empresa, Claudine Carvalho Santana. Ela explicou que quando assumiram a gestão em agosto, apenas o plantão do Pronto-Atendimento funcionava de forma razoável e lamentou a falta de gestão eficaz de hospital com uma infraestrutura excelente, mas que poderia se tornar financeiramente inviável por inadimplência com fornecedores, falta de pagamento aos profissionais e outras questões que foram se acumulando ao longo do tempo.
Claudine detalhou medidas adotadas pela equipe para contornar graves problemas, como fornecimento de oxigênio superfaturado, bem como constante ameaça de corte no fornecimento desse insumo essencial. Ainda há uma ação judicial por parte da empresa fornecedora.
“Havia uma insatisfação muito grande na Regional de Saúde quanto à falta de atendimento. O bloco cirúrgico não estava sendo utilizado. E a santa casa tem uma estrutura muito boa, com potencial muito maior do que a de Lagoa da Prata, por exemplo”.
Irregularidades
Entre as bizarrices administrativas encontradas por ela estão: ausência de escalas de plantões médicos, pagamentos de médicos atrasados e dívidas com oxigênio e fornecedores. Além disso, falta de medicamentos e de credibilidade tanto junto a médicos quanto a forneceores.
“Médicos nos disseram que não vão trabalhar porque tem oito meses que não recebem. Alguns ainda estavam, porque tinham pagamento à vista, mas não havia escala de plantão. O financeiro estava sem controle. A escala do pronto-socorro era a única que funcionava. A cirurgia-geral também tinha parado. A pediatria e maternidade são setores que a gente já vinha falando com a secretária de Saúde que precisamos reformular. Ainda estamos trabalhando com o mesmo quantitativo. Hoje foram abertos mais três leitos, com ajuda da Prefeitura. Estamos trabalhando com sete leitos e temos mais um médico que está, através da Secretaria de Saúde, nos ajudando para que consigamos atender crianças”.
Na ortopedia os interventores trouxeram um médico para operar.
“São cirurgias de alta complexidade. Prova de que a SC é viável e tem condição de a gente fazer um atendimento muito melhor do que o que tinha e o que tem. Já na agenda das anestesias, tivemos muita dificuldade. Por fim reformulamos e estamos colocando em escala presencial, para um atendimento ainda mais eficiente”.
Quanto aos salário dos médicos, conforme Claudine, havia oito meses de atrasos. As cirurgias eletivas também estavam atrasadas. Precisaram lidar ainda com ameaças constantes de risco de corte de oxigênio.
“Então nós negociamos a compra de oxigênio para, a cada 15 dias, a gente fazer o pagamento do valor de R$ 18 mil, totalizando R$ 36 mil no mês. Porque todo dia o fornecedor dizia que iria fechar o fornecimento e a gente ficar sem oxigênio, não tem como. Até que chegássemos a essa alternativa, foi uma caminhada grande”.
Reposição de oxigênio
Em novembro começaram a buscar novas alternativas para a reposição do oxigênio.
“Fomos buscar outros fornecedores e notamos que parece existir um tipo de cartel entre eles. Então, como já tem quem fornece para a gente, outras empresas não quiseram entrar. Então estamos buscando na nossa pópria usina. Tivemos várias dificuldades, como falta de logística, mão de obra, gerador que não tem carga suficiente para manter os equipamentos. Tivemos que fazer telhado, dentre outros preparos”.
A equipe também detectou superfaturamentos dentro da administração da SC.
“Por causa disso nós não conseguimos fazer com mais rapidez o que precisávamos. Exemplo: um telhado que custaria R$ 10 mil estava sendo cotado por R$ 18 mil. Não tínhamos dinheiro para seguir em frente. Então eu busquei junto à empresa, para que eles, na base da confiança, trazerem e fazerem o telhado e toda a parte para a gente de eletricidade da usina. A própria empresa veio nos ajudando a montar. Tivemos o início da implantação da usina em janeiro. Gastamos novembro e dezembro para, em janeiro começarmos a funcionar”, detalha.
Valores
Os consultores, então, perceberam superfaturamento no oxigênio.
“A gente comprava a R$ 13. Depois subiu pra R$ 14, depois pra R$ 20 o metro cúbico, enquanto com outros fornecedores a gente encontra a R$ 2. O mais caro que a gentre consegue no mercado é R$ 6. Com nossa própria usina sai mais barato. O contrato mensal foi asinado com a Oxygen. O valor que a gente paga mensal é de R$ 18 mil. Nós pagávamos R$ 36 mil. Daí vocês tiram a conclusão. Então nós acompanhamos todo o processo da retirada do tanque, com a White Martins dando baixa na questao do tanque”.
“Outra surpresa que nossa equipe teve foi que a SC havia feito uma confissão de dívida com a WM. Isso porque a gestão hospitalar já havia feito, por várias vezes, negociações com a empresa. Mas, não tinha pagado nada e fez um documento confessando a dívida. Nós não sabíamos disso”.
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Dívida com outros fornecedores
Outros fornecedores entraram na Justiça contra a SC. Outro problema da gestão anterior é que a contabilidade sequer era feita dentro da própria SC. Ficava em Varginha, no Sul do estado.
“A dívida com fornecedores tinha um valor estimado de R$ 2,5 milhões quando nós entramos. Junto a essa contabilidade existia também uma empresa que prestava assessoria para a SC. Não sei quem são as pessoas. Sei quem são as pessoas com quem a gente conversava via telefone. Mas, nós tivemos muita dificuldade para conseguir saber esses valores referentes a entradas e saídas”, explica.
“Com tantos fornecedores acionando a SC judicialmente, o jeito foi comprar pagando na mesma hora. Nós temos que comprar à vista, porque não temos crédito. Em novembro, dezembro e janeiro nós ficamos com o caixa zerado a ponto de a gente ter de pegar emprestado com pessoas bem próximas, para poder pagar, por exemplo, medicação”.
Outro problema apontado é a ausência de manutenção preventiva nos equipamentos.
“O parque tecnológico da SC não tem nada catalogado. Então nós contratamos uma empresa chamada Technicare. O valor dela é R$ 4,5 mil. As outras empresas que prestaram o mesmo serviço antes eram R$ 4,8 mil, mas arrumavam só algumas máquinas específicas. Encontramos os equipamentos todos estragados e sem poder utilizar. Propusemos a eles uma parceria. Ficamos devendo por um tempão, até conseguirmos pagar algumas prestações”.
Negociações
Agora a SC negocia e compra peças pra trocas.
“Mas, chegou a não ter condições de atendimento. Cirurgia de ortopedia então, não tinha. Itens básicos, como furadeira e martelo, não tínhamos. Temos que melhorar muito ainda, mas conseguimos caminhar um pouco”, desabafa Claudine.
“Também havia contração informal. Na SC a gente precisa também de uma manutenção de serviços gerais, como trocas de lâmpadas, podas no jardim e reparos em paredes. Para tudo isso a gente tinha um servidor, que era contratado informalmente. Ele recebia toda semana e terceriziava tudo o que ele iria fazer. Se a SC precisasse de troca de lâmpada, esse servidor depois apresentava notinhas do serviço feito por outras pessoas. Nós não sabíamos. Era tudo desorganizado. Nós não sabíamos se ele havia mesmo feito mesmo a troca ou não. Um chuveiro que precisasse ser trocado, ele tinha que trazer uma pessoa para trocar. Só para podar o jardim, por exemplo, ficava em R$ 1,5 mil”.
Hoje, garante Claudine, a SC contrata serviços gerais bem mais em conta. Apesar destas melhorias pontuais, a SC continua sem crédito, até mesmo junto ao comércio local.
Gerador
“A atual condição do gerador também é preocupante. Ele tem 150 KVA. Ele não comporta todos os equipamenhtos da instituição. Tem que ser trocado. Quando nós chegamos, além de não ter preventivo, até hoje não conseguimos. Estamos pocurando uma pessoa que possa dar a manutenção preventiva por um valor justo. Outro dia, só pra arrumar o gerador para podermos fazer um laudo, pois a Vigilância nos apontou que desde 2021 o mamógrafo não tinha licença para funcionar. Pegamos também a tomografia. Fizemos contrato da tomografia, porque o hospital precisa muito dela”.
Se precisar deste gerador e se ele falhar em algum momento, não há sequer óleo.
“Se parar, estamos perdidos. Ter que fazer tudo na mão. Outra coisa que me preocupa muito: a usina de oxigênio não está ligada ao gerador. A gente gasta hoje 46 metros cúbicos de oxigênio. O que me preocupa é que na época do frio nós vamos gastar um pouco mais. As doenças respiratórias chegam. Nós precisamos que a usina entre no gerador. Por isso precisamos trocar o gerador, com urgência”.
Medicamentos
Claudine aproveitou a fala na Câmara para esclarecer um boato de falta de medicamentos na SC.
“Um pessoal falou que não tem remédio na SC. Tem vereador que mandou uma lista de medicações para mim. Ocorre que toda compra de medicamento tem que passar pela administração. Antes não se tinha esse hábito aqui. E agora tem. Infelizmente eu fiquei um tempo sem administrador. E ficou tudo sobrecarregado para apenas eu executar esse trabalho. E aí saiu essa lista. É como se eu fizesse uma lista na sua casa, pra você ir comprar no mercado. Só que às vezes a gente tem quantidades menores de medicamentos e aumenta o volume de atendimentos. Veio a dengue, por exemplo. E, infelizmente, quem estava na farmácia fazendo a nossa gestão não nos dava exatidão para a gente comprar”.
“Devido aos casos de dengue, decidi que vamos comprar um litro de soro em vez de dois de 500ml, que custam quase que o dobro. Aí eu fui penalizada. A pessoa fica deixando faltar, para que aquilo reflita na gente negativamente e quem sai prajudicada é a população. Naquele dia eu vim em todas as unidades do hospital. Tenho fotos que provam a grande quantidade de material que tinha nos setores, e não na farmácia. Convidei o nosso diretor técnico, que andou comigo pela SC. No primeiro momento eu cheguei realmente assustada, achando que estava faltando medicação. A gente encontrou esse monte de medicação nos setores”.
“O que é que a gente faz quando falta medicação? Se faltou alguma coisa, vou a outro setor e pego. Como a gente não tinha controle de tudo isso, deixava na mão da farmacêutica, para que ela nos dissesse. Então eu só vou saber que tá acabando se isso me for sinalizado. E infelizmente a gente não tinha esse feedback. Às vezes as ordens de compra simplesmente passavam, via computador e WhatsApp, mas era pouco falado com quem tava dentro da SC, por irresponsabilidade. Parece que era mesmo para passar a responsabilidade adiante”.
Após detectar esse problema, as ordens de compra passaram a ser organizadas. Tudo o que fosse comprar teria de ser assinado pela Administração.
Consultórios médicos
O descontrole também tomava conta dos consultórios médicos, que são particulares – ou seja, os profissionais deveriam pagar à SC para usá-los. Mas, muitos não fizeram isso. O setor de consultórios médicos não tinha controle algum.
Atualmente a SC tem quatro médicos que estão em dia, a partir de quando começou a cobrar. “Tem alguns lá que são mais antigos. Vi que o laboratório paga direitinho. Vi que tem recibos antigos. Mais uns dois médicos. O restante, não paga. O que é que eu penso, diante disso? Como consultoria, se a SC tem todo esse custo operacional, se o consultório ficar fechado, pra nós, é lucro”.
A SC reajustou todos os alugueis, passando de R$ 1 mil para R$ 3 mil. As dívidas dos médicos beiram a R$ 165 mil.
A respeito de cortes de despesas ela garante que ocorreram, por exemplo, reduções de horas-extras na folha de pagamento. Outro ponto citado foi o corte de uma conta de telefone. Sobre a manutenção, também houve redução de custos.
“Há ainda o controle de estoque das medições. Com isso a gente melhora o custo. Aumento nos pacotes particulares. Acontecia antes a cobrança da parte médica era de R$ 7 mil. A da SC, R$ 1 mil. Aumento no valor dos convênios: nós estamos fazendo negociações. Desde 2017 eles não têm reajuste. Ligamos para os convênios, principalmetne para a Unimed, que hoje é a nossa segunda maior fonte de renda depois do SUS. Nós conseguimos aumento na Unimed”.
Claudine e equipe seguem como consultores.
“Hoje eu declaro que nós ainda não estamos comprando bem, mas estamos fazendo o o que dá para fazer. Isso significa comprar ‘sem nome’. Pequenas economias diárias que, no fim das contas, fazem o dinheiro render um pouco mais. Temos feito isso, mas ainda precisamos melhorar nesse quesito”, finaliza.
Bagunça financeira
O segundo a apresentar suas observações na Câmara foi Libério José do Amaral, que assumiu a contabilidade da SC em janeiro deste ano.
“A Santa Casa pede socorro. Administrativa e financeiramente. Embora tenha assumido a contabilidade em janeiro, estou lá com a Claudine desde setembro de 2023. Deste período não cobrei da SC, porque eu queria dar essa consultoria. A contabilidade estava parada em 2021. Então eu pergunto: como administrar uma empresa sem números?”
Ele ainda sinaliza risco da Santa Casa fechar. Para mantê-la aberta, a institutição pegou R$ 2 milhões emprestados.
“Fomos pedir socorro ao prefeito e ele falou: “Não temos como fazer nada. Pegue esse dinheiro e vá tentando tocar. O dinheiro já acabou. A dívida tributária, a dívida com fornecedor e a dívida bancária chegaram no limite. A contabilidade brincou e os administradores brincaram com a contabiliade da SC”.
Salva a SC
Ele enfatizou que o interesse é salvar a SC.
“Se realmente não nos somarmos à Câmara, Prefeitura e aos empresários da cidade, vai fechar. Nós estamos falando de uma dívida de valor aproximado, que não conseguimos ainda consolidar, de R$ 9 milhões. Na dívida tributária, o termo coreto é “aproporiaçao indébita”. Isso é crime! Descontaram INSS do funcionário, descontaram imposto de renda nas notas fiscais de pessoas jurídicas dos médicos, e não repassaram para o cofre federal”.
A medida de esforço que a gestão que lá está fez foi pedir parcelamento à Receita Federal para tirar a figura de apropriação indébita.
“O nome da SC há 15 dias tava no Cadin [Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal, banco de dados onde estão registrados os nomes de pessoas em débito para com órgãos e entidades federais]. Se não consguirmos equacionar a dívida, a SC vai fechar”.
Em 2023 a SC faturou R$ 14.795.000,00. O Sistema Único de Saúde (SUS) foi o carro-chefe, além de contato com R$ 710 mil de emendas parlamentares e R$ 70 mil de aluguéis dos consultórios. Com despesa de R$ 15,6 milhões, no ano passado a instituição fechou com rombo aproximado de R$ 800 mil.
“Temos uma situação complicada, para a qual peço ajuda de vocês com dois fornecedores: Cemig e Copasa. A Cemig já tá quase no ponto de bloqueio. Já pedi isso e gostaria de pedir a quem puder reforçar. Porque nós precisamos de uma interferência política junto à Cemig, Santa Casa e Copasa. Tá insustentável”, fez o apelo.
Para 2024, ele prevê receita de R$ 13.384 milhões. A Santa Casa precisa de aportr financeiro de R$ 6,5 milhões para conseguir fazer frente aos parcelamentos feitos juntos ao governo federal.
‘Surpresas’ jurídicas na Santa Casa de Samonte
Também falou na Câmara o assessor jurídico da SC, Mateus de Oliveira. O especialista ratificou as dificuldades com a empresa fornecedora de oxigênio, que já foi, inclusive, multada em outros estados por suspeita de cartel e preços abusivos. Informou que uma liminar conseguiu suspender o efeito da execução da dívida para com a fornecedora do produto, mas o risco ainda existe.
Ele alertou ainda para a gravidade da dívida com a Cemig, que está em torno de R$ 700 mil. Nesse caso a liminar não foi concedida. Não há o risco de a fornecedora cortar o fornecimento, mas poderá ocorrer a penhora nos cofres da instituição. Também há uma dívida para com a Copasa, que ainda não está em execução, mas batendo à porta.