São Sebastião do Oeste: após morte, família acusa sistema de saúde de negligência médica
Pronto Atendimento (PA) de São Sebastião do Oeste. | Foto: Portal Gerais

Advogado da família pede a instauração de uma CPI para averiguar plantões fora do padrão, contratos com mais de 10 anos, valores acima da média regional e negligência

“Quanto vale uma vida?”, assim o advogado Caio Martins abriu a fala dele na tribuna da Câmara de Vereadores de São Sebastião do Oeste, em Minas Gerais para indagar questões relacionas à saúde. O representante da família de Marcilene Maria Ribeiro, que morreu no Pronto Atendimento do município, usou a tribuna da câmara, nesta quarta-feira (19/6), apontando uma série de indícios de irregularidades no que chamou de “sistema precário de saúde”.

Ele pede a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para os vereadores apurarem plantões fora do padrão, contratos que perduram por mais de 10 anos, salários acima da média regional, assim como negligência no atendimento a Marcilene. Ela morreu no dia 21 de março deste ano.

“A família me procurou para que a gente pudesse apurar se houve alguma negligência médica, se houve algum crime acima disso. […] Hoje viemos aqui na Câmara para fazer o uso da tribuna para que se fomente os vereadores a possibilidade de instauração de alguma CPI, para que apure todas essas condutas, não só do município, mas também secretário de saúde”, disse Martins.

Ele confirmou que fará denúncia junto ao Ministério Pública para abrir uma investigação sobre o caso.

Explicações

José Cícero, marido de Macilene, diz que busca por explicações, pois até o momento não conseguiu nenhum esclarecimento sobre a morte de sua esposa.

“Perdi um ente querido, está me fazendo muita falta. Eu e minha filha, nós estamos sofrendo muito e até agora, a justiça, nem a prefeitura, ninguém fez nada”, disse emocionado.

De acordo com o representante da família de Marcilene, o município de São Sebastião do Oeste utiliza de cargas horárias de plantão que chegam até a 48 horas. Para ele, isso pode dar brechas para erros médicos. Um dos questionamentos apresentados pelo representante é a falta da disponibilidade das informações referentes aos plantões. Elas deveriam estar de fácil acesso ao público na unidade de Ponto Atendimento (PA).

A reportagem solicitou a coordenadoria o acesso ao documento e foi prontamente negado, dizendo que só poderiam liberar o acesso após abertura de requerimento. Após uma segunda conversa, foi explicado que o documento estaria anexado no corredor de acesso às salas de atendimento no próprio PA. Entretanto, no local indicado só havia a escala de técnicos de enfermagem, enfermeiros e motoristas, os dados referentes aos plantões dos médicos não estavam disponíveis.

Negligencia médica PA São Sebastião do Oeste - escalas
Na unidade do Pronto Atendimento só estavam disponíveis as escalas de enfermeiros, técnicos em enfermagem, coordenação, auxiliares, motoristas e seguranças. | Foto: Portal Gerais

Escalas e Plantões

“Fizemos algumas denúncias aqui em relação aos plantões médicos, que estão em um procedimento fora do comum. Tem médico dando plantão aqui de 48 horas seguidas. A gente sabe que isso é impossível que uma pessoa tenha cognição, tenha a capacidade de discernimento suficiente para atender a população”, ressaltou o advogado.

Em sua fala, Martins questiona se o fato da longa escala de trabalho aplicada pelos médicos plantonistas não haveria de fato afetado o atendimento de Marcilene. Onde ele questiona se os profissionais possuem capacidade de raciocínio após longas escalas de trabalho.

Outro ponto ressaltado diz respeito aos valores pagos pela administração pública do município aos médicos plantonistas. De acordo com a fala de Martins, dos salários praticados na região “estranhamente, os valores mais altos são os de São Sebastião”.

Para ele, mesmo podendo ser uma prática de mercado, as cifras pagas são muito superiores aos valores de outras localidades. Por isso ele pede esclarecimentos sobre os motivos disso acontecer.

Em nota enviada ao PORTAL GERAIS, a Secretaria Municipal de Saúde alega que “em relação à carga horária, os plantões são planejados de acordo com as necessidades do sistema de saúde”. Assim, sempre visando garantir o melhor atendimento possível à nossa população.

Conforme a nota, os horários dos plantonistas são cuidadosamente distribuídos para oferecer um serviço contínuo e de qualidade. Disse ainda que não existe nada proibindo que um plantão seja de 24h, 48h ou até mesmo de 72h (o que não ocorre aqui)”.

Legislação

De acordo com o parecer CRM-MG nº 237/2017, “O Conselho recomenda jornada de trabalho de 12 horas para plantões de atendimento à urgência e emergência, por questão de segurança para o médico e para o paciente, não devendo ser ultrapassada as 24 horas semanais ininterruptas”. Assim, não há na legislação uma proibição para tal funcionamento, o que há é uma recomendação contrária, por questão de segurança das partes.

Com base na Lei nº 3.999, de 15 de dezembro de 1961, o município orienta que os médicos atuantes possuem o direito a um descanso de 10 minutos a cada 90 minutos de atendimento contínuo. Ou seja, em um plantão de 24h o plantonista terá direito a 02:50 de descanso.

Prefeitura de São Sebastião do Oeste nega negligência na saúde

José Cícero, marido de Marcilene, pontuou que até o momento não obteve nenhuma resposta relacionada ao que de fato aconteceu com sua esposa. Disse que apenas recebeu um relatório e nenhuma outra explicação. Afirmou que a esposa dele chegou ao PA com o quadro de dengue e o município não havia confirmado o laudo.

No âmbito da administração pública, com toda avaliação por parte da equipe técnica e mediante acesso aos prontuários, não se percebeu qualquer omissão e/ou erro. Porém, como a equipe médica do Pronto Atendimento é de responsabilidade do ICISMEP– a apuração dos atos está sendo objeto de sindicância pelo consórcio. Insta salientar que até o presente momento não houve nenhum registro de nenhum boletim de ocorrência ou ação judicial nesse sentido.

Prefeitura de São Sebastião do Oeste

A Prefeitura alega que “diante do falecimento de uma paciente de 38 anos, residente na Zona Rural deste município, em decorrência de dengue, a equipe de Saúde seguiu rigorosamente os protocolos e diretrizes estabelecidos pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais. Tais protocolos visam orientar as ações a serem adotadas em casos de óbito por arboviroses em investigação ou decorrentes de causas obstétricas”.

O óbito segue sendo investigado. E, estão sendo aguardados os resultados e o parecer final da causa da morte por parte do estado referente o ocorrido.