Douglas Fernandes
Na semana passada, a derrubada do The Pirate Bay, um dos mais antigos indexadores de torrents, causou um alvoroço na internet e nas redes sociais. Buscando se reestruturar e voltar à ativa, o caso do TPB traz à baila uma discussão muito mais antiga e profunda sobre o atual consumo cultural da nossa sociedade. Nesse contexto, como definir o que é e o que não é pitaria?
Para quem não conhece ou só ouviu falar, os indexadores de torrents, como o TPB e o KickAss, oferecem links onde o usuário baixa um arquivo de poucos megabytes, que pode ser aberto por programas específicos e gratuitos, como o utorrent. Um exemplo, para ficar mais fácil. Vamos supor que um usuário da Rússia baixou o filme Fury (com Brad Pitt) e daí ele disponibiliza em um site de torrent. Outro usuário do Chile baixa o filme. Nesse caso, se os dois usuários mantiverem os arquivos na pasta em que foram baixados, um terceiro, do Brasil, baixaria ainda mais rápido, já que cada arquivo baixado serve de fonte para novos usuários. Agora imagine milhões de usuários em todo o mundo, mantendo seus arquivos baixados por torrent e servindo de “fornecedores” (seeds) para outros usuários.
Bom, daí é que surge a questão sobre a definição de pirataria. A própria legislação brasileira não chega à um consenso, porque por pirataria, entende que a pessoa deve fazer uso de algo legalmente registrado para ter algum ganho pessoal. Conheço várias pessoas que baixam filmes, séries, músicas e jogos para fins pessoais, sem receber nenhum centavo por isso. Mas daí alguém pode dizer: “ah, mas dessa forma eles estão tirando o lucro de uma empresa”. De certa forma, até concordo. Mas vejo por outro lado. Quantas pessoas passaram a assistir determinada série e se tornaram fãs justamente por ter esse acesso facilitado? Quantos filmes antigos e que os DVD’s nas locadoras já nem existem mais, podem ser agora oferecidos? Quantas pessoas não aproveitam para baixar um pdf ou um arquivo de filme pra conferir se vale mesmo a pena comprar o livro físico ou ir ao cinema e assistir à um bom filme?
Nosso modo de consumo cultural mudou. E enquanto houver internet, ele não vai retroagir ao que era antigamente. Isso é fato. De nada adianta autoridades tentarem derrubar sites como Pirate Bay. Esse tipo de atitude não muda o cenário, já outros milhares de indexadores surgem apra suprir o antigo. Além disso, há casos em que hackers tomam as dores desses sites de torrents e promovem ataques digitais aos sites governamentais.
Acredito que a indústria musical foi a que mais sofreu. Levante a mão quem nunca baixou um arquivo de mp3 em vez de comprar aquele cd com preço exorbitante aqui no Brasil. Os artistas estão aprendendo que para sobreviver já não basta só vender cd’s. É preciso repensar a forma de lucro. Nesse caso, com a divulgação muito maior dos artistas devido à pirataria, a quantidade de fãs no show pode ser maior. Oferecer outras vantagens nas redes sociais, como promoções para conhecer o ídolo de perto, são alternativas. E tem outra: o fã de verdade, mesmo tendo o mp3, ainda faz questão de ter o produto original, que seria o cd.
Sou suspeito para comentar sobre o assunto, porque sou do tempo do emule, napster e do Mininova, que era outro indexador de torrents que foi extinto. Não lembro a última vez que comprei um cd. Conheço o trabalho do legenders, que oferecem legendas gratuitas para quem quiser. E confesso que de outra maneira, dificilmente teria visto tantas séries quanto já vi até hoje, seja por não ter assinado um pacote de tv a cabo ou mesmo porque o horário da série é inviável para que eu possa ver.
Quantos cantores e músicas conheci, o que de outra maneira, nunca teria ouvido, já que nem sequer tocam no rádio. E quantos filmes ruins eu evitei de ir assistir em um cinema sujo e quente (já que o ar condicionado não estaria ligado). Nesse caso, incentivo, sim, a distribuição de arquivos, obviamente, de forma gratuita. Como dizem os legenders, “de fã pra fã”.
A distribuição de jogos, músicas, livros, revistas, filmes, séries e tantos outros tipos de arquivos é um comportamento normal para a maioria de usuários da grande rede. Assim como o mercado da informação precisa pensar em novos modelos de negócio para sobreviver, assim também a indústria cultural precisa repensar suas fontes de lucro. Atualmente, somos todos piratas, mesmo que a coroa tenha dificuldades em conseguir definir o que é a pratica da pirataria.