Entenda como o “tarifaço de Trump” tem impactado a produção da cidade do Centro-Oeste de Minas e como os vizinhos da América do Sul têm ajudado
Enquanto alguns polos calçadistas do Brasil amargam prejuízos por causa das tarifas impostas pelo governo dos Estados Unidos, o de Nova Serrana, no Centro-Oeste de Minas, segue um ritmo contrário. De acordo com o Sindicato Intermunicipal das Indústrias de Calçados de Nova Serrana (Sindinova), o chamado “tarifaço de Trump” não impacta, pois cerca de 75% das exportações do polo são direcionadas à Argentina e países da América do Sul – diferente da situação de outras regiões do Brasil, que exportam muitos calçados para os Estados Unidos.

Em entrevista ao PORTAL GERAIS, o presidente do Sindinova, Rodrigo Amaral Martins, explica que embora não haja uma expansão acelerada, a indústria local preserva a cadeia produtiva.
“Conseguimos manter a maioria das unidades operando e sustentar empregos. Não estamos em retração drástica, mas o ambiente exige cautela. A confiança está moderada. Vemos desafios externos (como a retração das exportações e a concorrência internacional) e também oportunidades internas de melhora. Isso, especialmente via compra local, inovação e diversificação de canais.”
O presidente do Sindinova pontua que o tarifaço de Trump também não gera aumento de custos com importação de insumos essenciais na cadeia produtiva local. Conforme ele, a maior parte vem de fornecedores nacionais ou asiáticos – matérias como solados e componentes têxteis e químicos.
“Embora não observado até o momento, um efeito direto e massivo de aumento de custos originado exclusivamente pelas tarifas dos EUA para insumos, o Sindinova avalia que esse tipo de medida global (tarifas, câmbio, logística) gera um ambiente de incerteza que pode encarecer o acesso a determinados insumos ou levar a busca por fornecedores alternativos. No geral, o impacto existe, mas é indireto e depende do perfil de cada empresa”, pontua Rodrigo.
Foco no Natal e expectativa para 2026
Com as exportações livres de tarifas extras, a produção calçadista em Nova Serrana segue em alta e com foco nas vendas para o Natal.
“As empresas de Nova Serrana já estão em fase de preparo para o período natalino. A maioria dos associados está ajustando produção, estoques e logística para atender ao pico de demanda dos canais de varejo e e-commerce. No entanto, não estamos operando em capacidade máxima plena, dada a conjuntura mais contida do mercado.”, afirma.
Conforme ele, algumas fábricas mantêm operação em níveis moderados para evitar excessos de estoque ou desperdício de recursos.
“O Sindinova entende que o cenário exige equilíbrio. Por um lado há expectativa de consumo melhorada. Por outro, fatores que limitam a expansão. Esperamos que o fim do ano seja de manutenção ou leve avanço, não de salto expressivo.”

Com o fim de ano promissor para os negócios locais, o presidente do Sindinova ressalta que a expectativa para 2026 é de otimismo. Contudo, alerta para cautela.
“Acreditamos que o polo poderá se beneficiar se conseguir intensificar os esforços em inovação, design, mercados alternativos, cadeia de valor agregado e aproveitamento de canais de venda digital e internacional”, pontua
No entanto, de acordo com Martins, o setor deve trabalhar para mitigar riscos, bem como dependência excessiva de exportações tradicionais. Além disso, de importações de insumos caros, competitividade com calçados de baixo custo, entre outros.
“Em resumo, para 2026, o cenário ideal é de leve crescimento ou ao menos de estabilização com melhorias de margem e competitividade, e não de forte retração, desde que as empresas e o sindicato estejam alinhados e preparados”, finaliza.

Empresários planejam expansão com bons resultados
Os bons resultados de 2025 deverão refletir no ano seguinte, com investimentos e geração de mais empregos e rendas na indústria serranense. Atualmente o setor emprega mais de 40 mil trabalhadores diretos e indiretos. São esses os casos de dois empresários ouvidos pela reportagem do PORTAL GERAIS.

Ronaldo Lacerda é sócio da Lynd Calçados, empresa fundada em Nova Serrana em 1998 com foco em desenvolvimento e produção de calçados e acessórios de performance, estilo e bem-estar. A companhia opera em uma estrutura de 16 mil metros quadrados,. Tem capacidade para 200 mil pares por mês e vendas para várias regiões do Brasil. Ele conta que o crescimento médio em 2025 é de 20%.
“Este ano está dentro de um ciclo de grandes mudanças no consumo e no varejo. Na parte de consumo, os produtos relacionados à saúde e atividade física estão em alta. Mas, para atender a esse segmento é preciso entender e ter tecnologias adequadas. Para atender ao mercado de esportes, investimos em pesquisas, atletas e parceria com o Instituto de Biomecânica.”

Mercado calcadista passa por adaptação
Rodolfo Amaral comanda a Blitzz Calçados, empresa fundada em 1992 e que já soma 33 anos de mercado. São cerca de 80 colaboradores e produção média de 30 mil pares por mês e 330 mil pares por ano. Ele assumiu a companhia aos 16 anos, junto com o pai, fundador do negócio. Desde então já são 22 anos no setor.
“Vejo o mercado calçadista no Brasil passando por um momento de adaptação. O consumidor está mais consciente. Busca conforto, qualidade e propósito nas marcas. Isso tem nos motivado a inovar e fortalecer o valor do produto nacional. Apesar dos desafios econômicos, políticos e sociais do país, acredito muito no potencial do setor, principalmente quando unimos tradição, qualidade e um atendimento próximo ao cliente. Nova Serrana sempre se supera frente aos desafios, dessa vez não será diferente”, ressalta.
Aumento do custo de insumos com tarifas de Trump
Sobre as tarifas, Rodolfo diz que o mercado calçadista brasileiro foi afetado por essas tensões comerciais entre os Estados Unidos e outros países, pelo aumento no custo de insumos, pela oscilação cambial ou pela mudança nas rotas de exportação e importação globais.
“Essas variações acabam pressionando toda a cadeia produtiva, exigindo mais planejamento e eficiência das empresas. Mesmo quem não exporta diretamente sente reflexos nos custos e na instabilidade do mercado”, afirma.
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Ainda segundo Rodolfo, 2025 tem sido desafiador para todo o setor. Mas, com trabalho e planejamento, consegue superar as dificuldades. Além disso, oscilações de mercado e aumento de custos também o impulsiona a buscar mais eficiência e inovação.
“Para 2026, estamos otimistas. Acreditamos em um cenário de recuperação e crescimento da empresa a partir de novas parcerias, ampliação de mercados e fortalecimento da nossa estrutura produtiva. Nosso foco é continuar investindo em qualidade, relacionamento com o cliente e estratégias que tornem nossa marca ainda mais competitiva e sustentável”, conclui.
Tarifaço impacta outros polos
Já a nível nacional, o tarifaço promovido pelos Estados Unidos contra o calçado brasileiro desde agosto levou a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) a refazer as projeções de crescimento do setor para 2025 e 2026. No dia 8 de outubro a entidade informou que o crescimento da produção projetada para 2025, estimado entre 1,4% e 2,2% no início do ano, passou para uma faixa entre -1,1% e +1,4%.

Para 2026, a projeção aponta para um intervalo entre -0,5% e +2,1%. Com as estimativas, a indústria calçadista deve produzir entre 919,2 milhões e 942,5 milhões de pares no ano corrente e entre 914,6 milhões e 962,3 milhões de pares em 2026.
Incerteza no mercado nacional

De acordo com o doutor em Economia e consultor setorial da Abicalçados, Marcos Lélis, as revisões levam em consideração, principalmente, o cenário incerto diante do tarifaço dos Estados Unidos. Além disso, a possibilidade de uma queda nas importações da Argentina em função das parcas reservas internacionais do país.
“Como são os dois principais destinos do calçado brasileiro no exterior, devemos ter um impacto importante nas exportações, especialmente em 2026, caso o tarifaço siga em vigência”, explica.
Mesmo que ainda registre números positivos, a economia nacional vem desaquecendo nos últimos três meses. Segundo Lélis, em maio o crescimento acumulado do PIB era de 4%, sendo que no último registro, em agosto, esse incremento passou para 3,27%.
Queda nas exportações nacionais para EUA

Em setembro deste ano, as exportações nacionais de calçados, em volume, cresceram 18% em relação ao mesmo mês de 2024. Com uma queda significativa dos embarques para os Estados Unidos, de 23,5%, foram destaques no mês nove destinos como Paraguai (+109%), Colômbia (+107%) e Peru (+97%). O preço médio do calçado exportado em setembro caiu 11,5%. O índice é explicado pela alteração de pauta dos produtos embarcados, em detrimento dos produtos de couro.
Já no acumulado de 2025, entre janeiro e setembro, no comparativo com o mesmo período do ano passado, as exportações, em volume, cresceram 7%, com estabilidade na receita gerada. O tarifaço dos Estados Unidos acabou culminando em uma revisão das projeções para exportações em 2025 e 2026. Conforme a Abicalçados, para 2025 a estimativa, que era de uma banda de crescimento entre 1,2% e 4,1% no início do ano, ficou entre 0,2% e 3,1% na última projeção.
Aumento de vendas para América do Sul

O presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, explica que as exportações de calçados, no mês, foram sustentadas pelo crescimento dos embarques para destinos latino-americanos. Isso, em especial no segmento de calçados de material sintético, o que atenuou o impacto da queda nas exportações para os Estados Unidos decorrente da tarifa.
“Estaríamos registrando resultados melhores sem os impactos da retração no mercado estadunidense. Os calçados de couro, produzidos sob encomenda e com a marca do cliente local, encontram maior dificuldade na busca por mercados alternativos no curto prazo.”
No mês de setembro, a Argentina, apesar da queda nas suas importações de calçados brasileiros, ultrapassou os Estados Unidos como o principal destino do produto verde-amarelo no exterior. No mês nove, os “hermanos” importaram 1,6 milhão de pares por US$ 19,27 milhões, quedas tanto em volume (-25,9%) quanto em receita (-24,8%) em relação ao mesmo mês de 2024.
Já no acumulado do ano, a Argentina segue atrás dos Estados Unidos. Conforme a Abicalçados, tendo importado a soma de 10,97 milhões de pares por US$ 154,96 milhões. Ou seja, incrementos de 22% em volume e de 0,5% em receita na relação com o ínterim correspondente de 2024.
Expectativas nacionais para 2026

Já para 2026, caso mantido o tarifaço dos Estados Unidos, os efeitos devem ser maiores, refletindo o cancelamento de pedidos dos últimos meses. A economista e coordenadora de Inteligência de Mercado da Abicalçados, Priscila Linck, explica que a projeção da entidade é de que no próximo ano as exportações brasileiras caiam entre 9,8% e 16,3%.
“Ou seja: o crescimento projetado para 2026 está muito mais ancorado na dinâmica do consumo interno do que nas exportações”, explica Priscila.
Com a queda nas exportações esperadas para o próximo ano, é projetado que 91% do calçado produzido no Brasil fique no mercado doméstico e apenas 9% seja exportado em 2026, pior coeficiente de exportação da série histórica, iniciada em 1998.



