O reajuste de pouco mais de 300% no vale-alimentação dos vereadores de Divinópolis movimentou as redes sociais na última semana, e não é para menos. Uma discrepância gritante quando comparada ao reajuste de 7,5% no salário mínimo deste ano. Se o aumento causou indignação, a hipocrisia não ficou para trás.
Em uma análise mais concreta, os servidores da Câmara, por exemplo, tiveram um reajuste bem menor no auxílio-alimentação, que passou de R$ 621,30 para R$ 702,02. Já na Prefeitura, o benefício da categoria é de apenas R$ 14 por dia. Diante da repercussão, a portaria que regulamentava o aumento foi revogada nesta segunda-feira (13/1).
Mas não é sobre a polêmica em si que vamos discorrer aqui. Vale uma análise sobre o “peso” da função. A canetada foi presidente Israel da Farmácia. Contudo, é sabido que uma decisão com tamanha impopularidade não é tomada na surdina. Trata-se de uma construção coletiva, envolvendo os integrantes da Mesa Diretora e, em muitos casos, os demais parlamentares.
Resumindo, a portaria foi desenhada a várias mãos, mas assinada por apenas uma. Esse é o peso da presidência: carregar sozinho a responsabilidade por decisões que refletem a vontade de muitos.
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A reação nas redes e o recuo
A repercussão negativa levou diversos parlamentares a tentarem justificar o injustificável nas redes sociais – um termômetro certeiro para medir a impopularidade de decisões políticas.
O destaque ficou por conta do vice-presidente Wesley Jarbas (Republicanos), que, por livre e espontânea pressão, recuou publicamente. Ao lado de seu principal padrinho político, o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos), Jarbas prometeu doar o valor correspondente ao benefício – R$ 2.021,22 –, benefício este que ele mesmo havia concordado em aprovar.
Não à toa, a nota oficial da Câmara, assinada pelo presidente, mencionou nominalmente o vice-presidente. Na mesma linha, o primeiro secretário, Breno Junior, também declarou que abriria mão do aumento.
Se essa medida expôs a hipocrisia, deixou também uma grande lição ao presidente: os privilégios do cargo vêm acompanhados de responsabilidades proporcionais: é o peso da função.
Uma lição sobre responsabilidade política
Tomar decisões impopulares pode custar caro, inclusive uma reeleição – a memória do povo pode até ser curta, mas a da internet é implacável. Nessas situações, é essencial que as “assinaturas invisíveis” por trás das medidas sejam igualmente expostas, dividindo a responsabilidade. Não queremos passar a mão da cabeça do presidente, mas não há santo nessa história.
É fácil usar as redes sociais para simular surpresa diante da publicação de uma portaria que aumentaria o salário em R$ 2 mil por mês, um valor superior ao que muitos trabalhadores recebem para sustentar uma família inteira.
Se o presidente deu um tiro no pé, não se engane: os outros 16 vereadores não são inocentes. A decisão não nasceu do nada. O gesto de doar o valor, depois da polêmica instaurada, não os torna menos culpados. Em muitos casos, é bastante provável que tenham participado da elaboração da portaria. Nada passa despercebido nos corredores do legislativo. Para não dizer hipócritas, a omissão torna os caros edis em coniventes.
No fim, o que ficou claro é que, além da hipocrisia, a omissão também é um traço marcante nesta novela.