Violência doméstica: “Minha mãe e meu padrasto se batem”

Minas Gerais
Por -24/06/2025, às 15H22junho 26th, 2025
violência doméstica e o impacto na criança
Foto: Imagem de Ulrike Mai por Pixabay

Quando a família já carrega ciclos viciosos que se repetem geração após geração, é preciso mostrar a essas crianças que amor é o oposto de agressão.

O que traumatiza uma criança? Há profissões que nos colocam diante de histórias difíceis. O problema é que, muitas vezes, não conseguimos filtrar o que ouvimos. Outro dia, conversando com um motorista de aplicativo, ele me contou sobre uma corrida que havia mexido com ele. E não era para menos. Um recorte da violência doméstica.

Conforme a quinta edição da pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto Datafolha, ao menos 37,5% das mulheres brasileiras sofreram algum tipo de violência física, sexual ou psicológica praticada por um parceiro íntimo entre março de 2024 e março de 2025.

A avó paterna solicitou a corrida. Ela contou que buscaria a neta na casa da mãe da menina. Papo vai, papo vem, ela ainda revelou que, para conseguir conviver com a criança, com idade entre 8 e 10 anos , precisou acionar a Justiça. Gastou cerca de R$ 5 mil, um dinheiro que nem tinha, para conseguir o direito de vê-la.

Naquele dia, uma sexta-feira, ela buscaria a neta para passar o fim de semana. O pai da menina vive em uma cidade vizinha, com outra mulher, parece já ter outro filho. Ao chegar ao destino, em um bairro periférico de Divinópolis, ela perguntou ao motorista se ele cobraria o mesmo valor para levá-la de volta ao endereço inicial. Ele respondeu que sim e a aguardou.

Violência doméstica traumatiza

Em poucos minutos, avó e neta entraram no carro. No meio do caminho, a avó estranhou o silêncio da menina. Como uma avó babona, ao longo da corrida, já havia descrito a neta de cabo a rabo. Uma das características era que a menina “falava pelos cotovelos”. O que não retratava o que se via naquele momento.

Questionada sobre o motivo do silêncio, a neta respondeu: “Estou preocupada com a minha mãe. Ela e meu padrasto se batem demais.” Em seguida, a avó, então, perguntou: “Ele está batendo nela?”.

‘Ele empurra ela, ela bate nele…” respondeu a neta que emendou: “Quando chegar, você liga para ela?”.

Violência doméstica: 27% dos filhos presenciam

O levantamento citado anteriormente também aponta que o principal autor das violências sofridas pelas mulheres é o cônjuge, companheiro, namorado, assim como marido (40,0%). Em 91,8% dos casos, a violência é presenciada por alguém, e em 27% desses casos, os filhos são quem presencia, conforme a pesquisa.

Afinal, o que traumatiza uma criança?

Como romper ciclos viciosos que desenham o futuro com base em um presente cheio de dores? Os dados mostram que a violência doméstica está presente em muitos lares. Crianças presenciam e vivenciam agressões como se isso fosse, por que não, uma forma de amor.

Meninas, como essa da história, crescem sem questionar a agressão. Aceitam a violência como um comportamento natural em relacionamentos.

A verdade é que as políticas públicas ainda não são suficientes para romper esses ciclos e tornar os espaços mais seguros para mulheres e crianças.

Mesmo quando essas crianças e adolescentes não são diretamente agredidos, sofrem violência psicológica por viver em ambientes hostis.

Crianças crescem reproduzindo comportamentos agressivos

A Fundação para a Infância e Adolescência já alertou para esse cenário. No caso dos meninos, muitos crescem reproduzindo comportamentos agressivos com suas companheiras. Porque foi isso que aprenderam.

E as meninas, por vezes, acabam se relacionando com parceiros parecidos com os da mãe. Em vez de identificarem a agressividade como um problema, se culpam. Pensam: “Ele fez isso porque eu estava com essa roupa. Ele disse que não era para eu usar e eu usei.”

Romper esse ciclo passa por políticas públicas que assegurem ambientes seguros para as mulheres. Por movimentos que garantam seus direitos, diminuindo a dependência econômica e ampliando a autonomia para prover e criar seus filhos.

Mais do que isso, passa por uma mudança cultural. A sociedade ainda impõe relacionamentos às mulheres como condição de felicidade. Ensina que é preciso ter um companheiro, um “provedor” mesmo violento, mesmo em ambientes hostis.

Assim, é urgente levar essa discussão para dentro das escolas, tratar essas realidades com seriedade e naturalidade, dentro da cultura de paz. Ensinar às crianças desde cedo que violência está longe do amor. Que um lar violento não é um ambiente normal.

Quando a família já carrega ciclos viciosos que se repetem geração após geração, é preciso, então, mostrar a essas crianças que amor é o oposto de agressão.