Por Rodrigo Dias

Tinha a cara triste. Em casa frequentava o canto mais escuro da sala. Sentada no velho banco de madeira, recostava as costas na parede pintada de tinta xadrez. Ficava ali, horas e horas, olhando para dentro dela mesma.

Assim a velha de lenço roxo na cabeça passava todos os seus dias. Resignada, recusava ver o presente. Nostálgica, preferia a companhia de um passado distante e de lembranças cada vez mais turvas… Fúnebres.  Os poucos que um dia admirou já tinham ido. Sentia-se só.

É bem verdade que nunca foi dada a sorrisos, mas com o passar dos anos o espírito endureceu de tal forma que o simples ato de respirar a irritava. Achava que esta fosse à melhor solução: parar de respirar e fechar os olhos.

As crianças que brincavam na porta da sua casa a incomodavam. A senhora achava um absurdo ter o seu luto quebrado pelas risadas da meninada que corria de um lado para o outro da rua. A irritação era tanta que um dia chegou a ameaçar um dos garotos com uma vara de marmelo, tudo porque ele se atreveu a parar diante dela e dar-lhe um bom dia.

Na verdade o menino nem queria, mas tinha como uma das missões da semana – dada pela monitora de catecismo – acolher com um bom gesto uma pessoa que estivesse precisando. Pensou naquela mulher por razões que para ele pareciam óbvias: era velha, vivia sozinha e a casa e ela fediam. Daí a julgou como sendo carente. Se não de afeto ao menos de higiene.

A velha desconfiou das intenções do garoto. Raiou com ele e o dispensou segurando, firme, a vara de marmelo. Odiava as crianças. Quando pequenas são assim: bonitinhas e tudo que fazem é considerado engraçadinho. Como ninguém as corrige, como faziam no seu tempo, tornam-se adultos egoístas e que querem passar por cima ou querem ser melhores que os outros. É com essa amargura que aquela velha entendia a vida. Sem filhos ou amor o seu coração se fechou.

Numa noite de chuva forte, dessas que nem ramo benzido no domingo de ramos resolve, fez aparecer no parapeito da janela do seu quarto uma gata amarela, magra e com uma abundante falha no pelo. O bicho, assustado, miava sem parar com medo dos trovões e relâmpagos.

Como era de se esperar a velha, irritada, levantou-se para abrir a janela e tocar o bichano com sua vara de marmelo, afinal gatos e crianças são todos iguais e mereciam o mesmo tratamento. Mais esperto, o bicho aproveitou a janela aberta e correu para dentro da casa e se escondeu debaixo do banco de madeira no canto mais escuro da sala.

Com tanto lugar para se esconder à velha estranhou o fato da gata ter escolhido aquele local. Cansada, sentou-se numa cadeira em frente ao banco e a distância olhava aquela gata. Reparou que ela era velha e tinha um aspecto horrível.

Meu Deus! Exclamou em pensamento, como um bicho assim pode viver?!

Já se passavam das duas da madrugada, a velha deu um suspiro e enfim conseguiu dormir. Ela tinha companhia.