Cleiton Duarte
No texto anterior entendemos que o Direito está presente em todos os atos da vida, ainda que não se manifeste aos nossos olhos. O Direito (ciência jurídica) traça os limites de nossos direitos e deveres. E entre estes extremos encontra-se o que podemos entender como liberdade. Somos livres, mas nossos atos na vida fazem vibrar as cordas do Direito.
Se o Direito nos limita, significa que a liberdade não é algo totalmente nosso. Ela nos é dada pela ordem jurídica; ou sob outro prisma, ela nos é retirada por este conjunto de normas. Filosoficamente podemos tentar explicar mediante a alegoria do “contrato social”, criada por Jean Jaques Rousseau, em seu livro de mesmo nome.
É mais ou menos assim: imagine que os homens vivessem em total liberdade. Era o caos: apenas a força bruta prevalecia, pois cada um lutava por aquilo que lhe interessava. Não havia regras, ordem ou limites. Afinal, a liberdade total pressupõe a total inexistência de regras. Nessa bagunça hipotética, concluíram os homens que era impossível viver daquele modo. Então eles fazem um pacto: abrem mão de um pouco de sua liberdade individual, em favor do todo. A partir daquele momento começa a se formar a sociedade. Organizam-se regras e limites, direitos e deveres para todos. Surge o governo, que em troca da parcela de liberdade subtraída, oferece segurança. Paradoxalmente os homens se tornam, de fato, mais livres do que eram. Pois a liberdade que lhes sobra é usufruída de modo mais pleno, pois o outro possui os mesmos direitos…
A esta altura, nosso leitor questiona: que eu tenho haver com toda essa baboseira filosófica? Querido leitor, você não tem nada haver com isso. Mas ajuda a explicar o que deve ser a liberdade. Pois, numa sociedade em que tudo é permitido, o mais forte oprime o mais fraco. Não existe liberdade fora da lei.
E a lei não apenas dirige a vontade dos homens, mas regula a atividade do Estado, do governo. Relacionando as duas coisas, percebemos que o Estado também possui liberdade e limite de ação. Mas com uma diferença: ao cidadão é permitido fazer tudo o que a lei não proíbe. Já o Estado/governo, deve fazer tudo o que a lei o obriga. A liberdade humana é garantida pela lei, a ação do Estado é limitada por esta.
Não é nosso objetivo entrar em teses indecifráveis, ou perder o tempo de nosso leitor com teorias político/jurídicas. Mas cremos que algo já ficou claro: liberdade e legalidade andam juntas. Se alguém se excede no uso da própria liberdade, de seu direito, estará sujeito a uma resposta do sistema jurídico.
Qual seria esta resposta, e qual a sua natureza? Ela depende do grau de lesividade da conduta, podendo ser de ordem civil (indenização), administrativa (multa), ou criminal, a título de singelos exemplos. A sanção jurídica representa a reprovação social da conduta, manejada pelo Estado. Pois, de acordo com nossa teoria, abrimos parte de nossa liberdade para que o Estado pudesse agir em nosso nome, impondo regras e reprimindo condutas abusivas.
Liberdade é o poder de atuação do cidadão em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade, de acordo com as possibilidades que o sistema jurídico lhe oferece. A liberdade é um direito fundamental, um pressuposto para o exercício de todos os direitos, e também um dos objetivos fundamentais da República. E dela derivam uma série de matizes, conceitos e múltiplos significados.
O conceito de liberdade é um grande mosaico, no qual, ao olharmos de perto e a fundo, vemos seus diversos desdobramentos: a liberdade de ir e vir, a liberdade de pensamento, de propriedade, de expressão, de religião, liberdade de exercício profissional, etc.
Cada um destes desdobramentos, e todos os demais, revelam nossa liberdade, mas também revelam a mão do Estado e do Direito a traçar os limites, e às vezes o modo de exercício. Liberdade está diretamente ligada ao conceito de legalidade. Este a ser tratado no próximo artigo.