Ele faz parte da oração ensinada por Jesus, repetida todos os dias, por milhões de cristãos, há mais de dois mil anos: “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Entretanto, nem sempre temos disposição ou nos sentimos preparados para perdoar àqueles que nos causaram dor.

 

Prosseguimos nossa vida lembrando os fatos e as pessoas que nos proporcionaram infelicidade e cultivando emoções como raiva, a sensação de termos sido vítimas de injustiças e ressentimentos que contaminam nosso dia a dia e as pessoas à nossa volta. É comum recorrer aos consultórios de psicologia com o objetivo de tentar perdoar alguém, muitas vezes um membro da família, e alcançar paz de espírito. “Elas não conseguem fazer isso sozinhas nem superar as mágoas. Por meio de tratamento psicológico, começam a entender por que estão tão feridas. Geralmente, acreditamos que aqueles que amamos são perfeitos e não podem errar. E nem sempre alguém o magoa de livre e espontânea vontade, só porque o odeia”, comenta Olga Tessari, psicóloga, terapeuta familiar e autora do livro Dirija sua vida sem medo (editora Letras Jurídicas).

 

Pode não ser intencional, mas o certo é que, durante nossa trajetória de vida, todos nós encontraremos pessoas que vão nos machucar, e é preciso aprender a lidar com isso. O psiquiatra e psicanalista Moises Groisman, que estuda esse assunto há anos, defende posições bem claras sobre o perdão. “O ato realizado é sempre imperdoável. Já está gravado em nossa memória, uma lesão que nos foi feita. O que pode ser perdoado é a pessoa”, explica o médico que desde 1983 atua como terapeuta familiar e de casal, além de dar cursos sobre o tema para profissionais no Rio de Janeiro.

 

Situações comuns, mas difíceis de desculpar

 

Entre os casos comuns nas salas desses especialistas estão, por exemplo, os de infidelidade, sempre sinônimo de dor. “A relação de um casal pode se tornar perversa. Tem um algoz que traiu e a vítima que sofreu e passa a massacrar o traidor. O casamento se torna um martírio. Mas, muitas vezes, a infidelidade é só um sintoma de crise conjugal que já vem há algum tempo”, explica Groisman. “Talvez o parceiro que traiu não tenha feito com o propósito de ferir, mas por estar infeliz. Não que ele esteja certo, mas o objetivo não é ferir, tanto que no geral isso é ocultado”, explica Olga, que também é responsável pelo site www.ajudaemocional.com.

 

Também são muito recorrentes os casos de filhos com queixas dos pais. “Em família, é muito comum que as atitudes se repitam durante várias gerações. Um filho ressentido com o pai agressivo pode descobrir que o avô também agia assim, que o pai não era mau, e, sim, foi tratado daquela maneira e apenas reproduziu o que foi feito com ele”, explica Groisman. Uma coisa é fato: não perdoar, ficar relembrando e se ressentindo com situações ruins, pode levar a problemas de saúde.

 

“Todas as emoções negativas trazem sempre ansiedade. Quem não perdoa fica remoendo e pode liberar, entre outras substâncias, o cortisol, que, produzido com muita frequência, prejudica o sistema imunológico, além da adrenalina, que aumenta a frequência cardíaca quando o organismo se sente ameaçado. Essas crises de ansiedade repetidas por meses e anos podem levar a um processo de estresse e a problemas físicos, como alergias, infecções das vias respiratórias e constipação intestinal”, explica Geraldo Possendoro, médico, psicoterapeuta e mestre em neurociências e comportamento pela USP.

 

Preparando-se para perdoar

 

Resumindo: ao desculparmos de fato alguém que nos provocou dor, também nos livramos de uma guerra mental e de problemas de saúde. “Significa que a pessoa parou de sofrer, virou a página e pode seguir em frente sem esse fardo. A mágoa é uma ferida mal curada”, analisa Olga.

 

Para tentar colocar fim nessa situação dolorosa, o melhor é sempre sentar e conversar. “Mas, quando alguém nos machuca, o resultado é raiva e uma postura de vitimização. Portanto, os envolvidos precisam de momento e lugar tranquilos para conversar. Quem está magoado pode ter o desejo de machucar o outro, é instintivo. E o acusado de ferir tem de explicar por que agiu daquela forma”, explica a psicóloga. E não se trata apenas de conversar, mas de a parte acusada se mostrar genuinamente arrependida por ter causado dor. “Sem isso não há possibilidade de a situação se resolver”, explica Moises Groisman.