Rodrigo Dias

Cecil tinha 13 anos. Era o filho mais velho de uma família de oito irmãos. Logo cedo, aos cinco anos, se tornou o homem da casa com a morte do seu pai. Trabalhava numa pequena lavoura comunitária e juntava lenha para vender. Com o dinheiro levava pão, que dividia com os irmãos menores em casa.

Apesar da vida miserável – a família morava numa tapera de dois cômodos com chão de terra e telhado de palha – Cecil era um nobre. Seus antepassados, numa África livre e mais justa, eram guerreiros viris. Seu tataravô foi chefe da tribo. Sua família, por anos, sempre gozou de prestígio e respeito.

Mais de um século se passou e o que restou daquela nobreza foi apenas o sangue e as histórias que ouvia dos anciões. Mas a despeito da pobreza Cecil tinha um ar altivo. Apesar da miséria que o rodeava, o garoto carregava no olhar a convicção que só se via nos melhores guerreiros.

Mas isso de nada adiantou. Cecil e os seus estavam abandonados à própria sorte. Não tinham ninguém que se valesse ou se compadecesse por eles. Apesar de toda a sofisticação e tecnologia, o mundo de Cecil era sua pequena tribo pobre que ficava no caminho do Parque Nacional de Hwange, no Zimbábue.

Cecil, que nascera na África, nunca havia visto um leão, só nas histórias. Ficava fascinado com este animal. Os leões, diziam a ele, eram como os seus antepassados. Seres imponentes por natureza e nunca poderiam ser abatidos. Estavam no topo de uma cadeia natural da existência.

Mas na África de hoje há duas espécies que vêm sendo dizimadas a cada dia. Leões e guerreiros são abatidos gratuitamente, para satisfazer a vontade de alguns abastados que querem fazer valer a sua supremacia. A cada morte o continente africano fica mais pobre.

Foi assim com Cecil. O jovem que aprendeu a catar palavras só aos dez anos não teve oportunidades na vida. Morreu mesmo aos 13 anos vítima de uma doença impiedosa que varreu vários países da África. Foi caçado pela miséria.

Cecil se foi sem conhecer o mundo e sem o mundo lhe conhecer. O garoto de sangue nobre era mais um daqueles rostos abatidos de negros que passam na tevê quando destacam tragédias na África. Cecil se foi assim: no anonimato.

O abate de leões e de outros animais na África choca o mundo todo. Causa indignação e compele milhões que pedem providências para quem comete esse ato contra a vida.

Agora, a morte diária de milhares de guerreiros de sangue nobre passa desapercebida pelos nossos medíocres sensores. Na África leões têm mais valor que os guerreiros.

Cecil morreu e sua história com ele. Nunca viu um leão, mas quis sê-lo. Se morresse como tal teria um fim mais nobre como merecia. Contaria com o choro de desconhecidos hipócritas.