Poliany Mota

 

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Félix Gomez Hernandez (camisa escura) e Elizabeth Fernandez Lopez são dois dos médico cubanos (Divulgação/PMPM)

Quatro dos maiores especialistas em Direito do trabalho do Brasil disseram que os contratos assinados pelos cubanos como parte do Programa Mais Médicos, do Governo Federal, desrespeitam as leis trabalhistas brasileiras e podem ser anulados pela justiça.

 

Os profissionais foram ouvidos pelo jornal Estado de São Paulo, que teve acesso a uma cópia do contrato firmado por uma médica cubana e pediu para que os especialistas avaliassem o documento. No registro, o acordo é firmado entre o médico e uma empresa “comercializadora de serviços médicos cubanos”.

 

De acordo com os especialistas, mesmo o contrato tendo sido firmado no exterior, pode sim ser questionado na Justiça brasileira porque a legislação que prevalece é a do local onde o trabalho é realizado.

 

O professor Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, do departamento de Direito da USP (Universidade de São Paulo) explicou que aplicando a lei brasileira, o artigo 9º da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) diz que qualquer meio jurídico que tente burlar a legislação será considerado nulo. “No caso do contrato com os médicos cubanos, o que quiseram foi contornar a exigência legal e estabelecer regras próprias, o que não é permitido”, comentou Antonio.

 

Estêvão Mallet, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil – seção São Paulo (OAB-SP), afirma que o artigo 651 da CLT deixa claro que, por mais que o trabalhador tenha sido contratado no exterior, ou lugar diferente do local de trabalho, a Justiça a ser requisitada no caso de descumprimento da legislação é a da localidade onde o empregado atua.

 

De acordo com os especialistas, embora os médicos sejam funcionários de Cuba, as cláusulas do contrato deixam claro que é o governo brasileiro o tomador do serviço e, portanto, quem deve responder pelas obrigações trabalhistas.

 

Amauri Mascaro Nascimento, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, alegou que mesmo que o serviço fosse apresentado como uma terceirização, ela possivelmente seria classificada como ilícita pela Justiça. “Se quem controla e coordena o trabalho é o SUS (Sistema Único de Saúde), o vínculo de emprego do médico se dá com o governo brasileiro. Portanto, é uma terceirização ilegal”, defendeu.

 

“Trata-se de venda de mão de obra, o que é repudiado pela legislação e inadmissível a figura do”merchandage”(intermediador de contratação de mão de obra). O contrato com o Estado pode ser considerado nulo, indenizando-se o médico quanto aos direitos decorrentes”, completou o professor de Direito da PUC-SP e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o advogado Paulo Sérgio João.

 

Nesse caso, os médicos poderiam requerer na Justiça todos os direitos previstos na CLT e a equiparação salarial com os demais profissionais do programa Mais Médicos. Enquanto os cubanos recebem o equivalente a US$ 1 mil (R$ 2,4 mil), os outros participantes ganham uma bolsa de R$ 10 mil.

 

Ainda de acordo com os professores, outras cláusulas do contrato também ferem a Constituição, entre elas a obrigatoriedade de comunicar à autoridade cubana no Brasil a intenção de receber visitas e restrições impostas aos cubanos nos casos de casamento com pessoas de outras nacionalidades. “O artigo 5.º prevê o princípio da igualdade, incluindo estrangeiros. O cubano pode questionar isso na Justiça”, afirmou Freitas Júnior.

 

Centro-Oeste

 

Em 2013 Itaúna e Pará de Minas receberam profissionais do Mais Médicos. Uma médica brasileira foi encaminhada para Itaúna, e três médicos cubanos para Pará de Minas. Todos atendem em unidades do Programa Saúde da Família.