Márcio Almeida*
A política divinopolitana entrou em modo de convulsão. Em uma semana foram mexidas peças no tabuleiro capazes de mudar a correlação de forças no xadrez partidário envolvendo o Executivo e o Legislativo. O afastamento de Rodrigo Kaboja do Legislativo e a ida de Eduardo Print Jr. para o plenário — ambos em razão da determinação judicial feita no contexto da investigação, pelo Ministério Público (MP), de suspeitas de corrupção parlamentar em projetos de lei que modificam o zoneamento urbano — por si mesmos criariam impactos suficientes para iniciar as mudanças. Afinal, o plenário perdeu Kaboja, aliado do prefeito Gleidson Azevedo, e ganhou Print, hoje um de seus principais adversários na política municipal. O resultado da nova correlação ficou evidente na terça-feira (30/05), quando da apertada votação da admissibilidade da denúncia de infração político-administrativa feita contra Gleidson em razão de alegadas irregularidades em contratações temporárias. Não houve uma margem folgada a favor do prefeito.
Eduardo Print Jr. fez o que o bom senso recomenda ao ir buscar, no relatório da investigação do MP, o ponto em que seu nome aparece na apuração de suspeitas de envolvimento em corrupção na votação de projetos de mudança do zoneamento urbano em Divinópolis. A situação do presidente afastado da Câmara ficou desconfortável. Se Kaboja aparece em abundantes elementos, todos bem claros, Print tem uma situação diferente. Tendo sido afastado da presidência do Legislativo, não o foi do cargo de vereador. A situação gerou uma curiosa situação nos dias seguintes à decisão judicial de determinar o afastamento, tomada pelo juiz Mauro Riuji Yamane. Houve quem dissesse que, dado o seu perfil sabidamente zeloso no desempenho da magistratura, o juiz não determinaria o afastamento de Print da presidência da Câmara sem que houvesse reais motivos. O problema é que o bom conceito de que goza o juiz também permite uma leitura reversa: sendo zeloso, ele não teria afastado Kaboja e deixado Print na Câmara se tivesse motivos em contrário. Assim, não podendo garantir que seria feita pela sociedade a leitura favorável à sua situação, Print agiu de modo pragmático e foi buscar os elementos, que comentou em entrevistas. Para a sua própria defesa, convém que eles sejam tornados públicos o quanto antes.
Exercícios de imaginação
Quem leu com atenção as transcrições já conhecidas de conversas do vereador Rodrigo Kaboja integrantes do relatório de investigação do MP a respeito de suspeitas de corrupção na aprovação de leis sobre zoneamento urbano possivelmente ficou com a imaginação aguçada por um ponto. Trata-se daquele momento em que Kaboja já adianta, com segurança, que o prefeito não iria assinar (sancionar ou vetar) projetos que tratassem de mudanças no zoneamento. Disso derivam algumas perguntas interessantes. Uma delas: Kaboja, até então integrante da base do governo, teve alguma conversa com o prefeito Gleidson Azevedo para afirmar, com essa segurança, que não haveria nem sanção, nem veto ou disse isso com base no fato de que Gleidson simplesmente não estava mais sancionando ou vetando esse tipo de proposição? E o quanto o prefeito, aliado do vereador, conversou com sua base a respeito de sua recusa de vetar ou sancionar esses PLs de mudanças de zoneamento? Ou ainda: Quando Kaboja diz que, sem sanção ou veto por parte do prefeito, o projeto iria para as mãos de Print, que o promulgaria como presidente da Câmara, isso mostra o que apenas o que ele pensava ou o que tinha acordado com Gleidson? Eis aí três bons exercícios para a imaginação.
Registro
Circulam falas segundo as quais servidores públicos, em horário de trabalho, estariam na Câmara Municipal, na tarde de terça-feira (30/05), para gritar o nome do prefeito Gleidson Azevedo enquanto era votada a admissibilidade da denúncia de infração político-administrativa apresentada contra ele por um membro do Conselho de Saúde em razão de contratações temporárias de servidores. Não será difícil tirar a prova dos nove. As câmeras registraram quem estava lá.
Afastamento
Flávio Marra pediu o afastamento do secretário de Saúde, Alan Rodrigo, enquanto se investiga a conduta da Vigilância Sanitária no episódio da fiscalização da clínica onde uma paciente teve parada cardiorrespiratória enquanto era submetida a um procedimento invasivo não autorizado e depois que denúncias contra o estabelecimento chegaram à fiscalização. Deveria ter pedido também o afastamento das gestoras da vigilância sanitária. Sob nenhuma hipótese se justifica que os três continuem no exercício de suas funções e com poder de interferir nas investigações ou, o que é pior, criar sindicância que concentra as atenções em fiscais e deixa de focar no que fizeram eles mesmos no episódio. Alan, assim como as duas gestoras, está entre os que terão sua conduta investigada. Não pode continuar com a caneta na mão enquanto sua conduta está sob avaliação.
Surpresa: parte 1
Edsom Sousa foi o único vereador que, em declarações públicas feitas nos últimos dias, mostrou ter parado para refletir sobre o óbvio: os últimos acontecimentos políticos estão precipitando Divinópolis em uma crise institucional sem precedentes na história recente do município e capaz de emperrar o funcionamento regular de várias políticas públicas. Também veio dele a louvável decisão de exigir ao prefeito e a seus assessores que apontem quem são os vereadores que estariam vendendo atividades legislativas. É preciso aplaudir de pé as duas manifestações. Afinal, não foram apenas dois os vereadores que as falas de Gleidson e de seus assessores colocaram em dúvida: foi a Câmara enquanto instituição, em uma situação em que o prefeito, que deveria ser fiscalizado, passa a fiscal daqueles que o devem fiscalizar. Chega a ser estranho que não haja um coro junto de Edsom defendendo as mesmas coisas que ele está afirmando.
Surpresa: parte 2
Edsom Sousa teve o senso exato de tempo e oportunidade ao anunciar, na terça-feira (30/05), que deixa a liderança do governo Gleidson. Sereno diante dos repórteres, com o semblante de quem refletiu o suficiente antes de tomar sua decisão, não precisou de muitas palavras para dizer que nunca foi chamado para uma reunião com o prefeito a fim de discutir projetos e que não se deve “pensar com a língua”. Com a mesma calma, e a mesma fluência verbal, disse que está livre para votar projetos, a partir de agora, conforme sua consciência lhe ditar. Desnecessário dizer que o vereador saiu da liderança do governo para entrar, se quiser, pela porta da frente, no salão VIP da oposição. Seu gesto, associado ao peso que o parlamentar tem, tende a reconfigurar o quadro político-eleitoral divinopolitano.
Constatações
De Domingos Sávio a Galileu Machado, a fala do prefeito Gleidson Azevedo em praça pública, na qual ele diz que Divinópolis passou 109 de seus 111 anos abandonada pelos homens e mulheres da política e da administração, tornou-se uma unanimidade ao contrário: todas as lideranças que se manifestaram em público a rejeitaram fortemente. Se Gleidson queria unir contra si mesmo diferentes forças políticas, é preciso aplaudi-lo. Deu muito certo.
O sempre educado e ponderado Flaviano Cunha, do Sistema MPA, segue sendo o membro da mídia em quem mais frequentemente o prefeito despeja sua ira. Tendo dito o que disse em praça pública sobre os 109 anos de “abandono” de Divinópolis, Gleidson foi dar entrevista ao jornalista e reclamou de a declaração ter sido repercutida por ele, a quem acusou de ter tido um “xilique” durante o comentário do caso. Nem por isso Flávio saiu do sério.
Frase
Votei, como sempre, pela admissibilidade da investigação. Nós não podemos deixar de apurar: de Edsom Sousa na terça-feira (30/05), ao responder a repórteres surpresos com seu apoio à recepção, pela Câmara, da denúncia de infração político-administrativa apresentada contra o prefeito Gleidson. Gloriosa para quem, até então, era líder do prefeito, a frase deveria ser motivo de constrangimento para os que não viram razão para sequer se fazer a investigação.
Crueldade
Se Diego Espino queria dizer coisas nunca antes ouvidas na Câmara Municipal de Divinópolis durante a atual legislatura, conseguiu isso na tarde de terça-feira (30/05) durante a reunião em que se votou a admissibilidade da denúncia de infração político-administrativa apresentada contra o prefeito Gleidson Azevedo. Após alfinetar o colega Eduardo Print Jr, o parlamentar arrematou com essa frase dirigida a ele: “Foi o único vereador que foi ao enterro da minha mãe. Eu não queria que você tivesse ido. Eu queria ter ido ao enterro da sua mãe, mas não você no da minha”. Existem muitos modos de avaliar o nível de civilidade da política de uma cidade. Um dos mais seguros é medir o grau de tolerância que ela tem em relação a frases como essa.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PORTAL GERAIS.