Há nove meses trabalhando na linha de frente, médicos, enfermeiros, psicólogos vivenciam o avanço da COVID, o medo e angustia de pacientes
Conscientização. Essa é a mensagem que os profissionais de saúde da linha de frente da COVID-19 tem deixado para a população. Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas Gerais, registrou os piores índices desde o início da pandemia, como o da ocupação de leitos da Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Com o avanço da doença, médicos, enfermeiros, psicólogos vivenciam o medo e a angustia. Sentimentos que se misturam aos de pacientes.
Entre os profissionais há um consenso: até que a vacina seja realidade dos brasileiros o remédio mais eficiente para a prevenção é o distanciamento social. Esta receita ainda leva um ingrediente essencial, a conscientização.
Com o avanço veio um novo perfil que tem preocupado os médicos.
“Observamos, atualmente, que uma única pessoa da família, muitas vezes jovem, participa de um evento social e contamina toda a sua própria família”, contou o médico e coordenador do Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Complexo de Saúde São João de Deus (CSSJD) Marcone Lisboa.
Embora o cansaço fale alto, Lisboa destaca as únicas medidas capazes de conter o avanço.
“É perceptível que as pessoas se angustiam com a necessidade de se isolar e usar máscaras. Mas a verdade é que essas duas medidas, isolamento social e uso de máscaras, são as únicas formas de diminuir o contágio da doença. (…) Portanto, reforçamos a importância do uso de máscaras e da compreensão da necessidade de cancelamentos de eventos festivos e encontros de fim de ano para a segurança de todos e para evitar o caos no sistema de saúde da nossa cidade”, reforçou Lisboa.
Preocupação no CTI Infantil
Se antes a preocupação estava concentrada entre adultos, idosos e pessoas com comorbidades, agora, ela também se estende às crianças. Com taxa média de 6% de ocupação dos leitos de UTI neopediátrica, o índice chegou a 40% em dezembro no CSSJD. O hospital é o maior do Centro-Oeste e referência para 54 municípios.
Milene Oliveira Gonçalves trabalha há 17 anos na UTI neopediátrica, há três é coordenadora de enfermagem no setor do CSSJD. Embora tenha vivenciado situações adversas, o cenário atual, segundo ela, até há pouco tempo era “impensado”.
“Nunca gostei de filmes de ficção. Adoro uma comédia romântica, viver a vida ao lado dos meus amigos e familiares e fazendo o meu trabalho. De repente nos deparamos com a ficção na nossa realidade”, relatou.
A enfermeira cita ter feito treinamentos para várias situações, como para a possibilidade de um atentado durante a Copa do Mundo.
“Mas nenhuma simulação foi de catástrofes biológicas (…) Hoje o inimigo é invisível e só acreditam na sua potência quando ele te surpreende da pior forma”, enfatiza. Mesmo assim, ela lembra, que a partir da primeira reunião e a última presencial foi montada uma força tarefa para “passar por tudo ilesos e com o menor impacto possível”.
“A princípio as crianças não foram um grupo de grande importância devido aos dados estatísticos do momento”, relembra.
A partir da flexibilização e com a volta das aulas presenciais o cenário mudou.
“Nossa ocupação então saltou para 27% no último mês e agora chegamos a 40%. Se pensarmos em números talvez seja pouco, porém esses números são vidas. Famílias que precisam se separar, profissionais com maior risco e os traumas psicológicos que todos nós estamos vivendo”, destaca.
Os desafios diários para lidar com os riscos da doença, com o impacto emocional, aos poucos, segundo Milene, fazem com que saiba entender melhor como viver em segurança.
“Sempre que algo não sai como planejamos, nos reunimos e analisamos como podemos melhorar. Essa discussão se faz necessária para garantir segurança ao paciente, as famílias e a nós profissionais”. Além das estratégias técnicas uma outra é colocada em prática para minimizar a pressão. “Como um carinho de vó ou de mãe ajudam a passar por isso um pouco melhor”, afirmou.
Para ela, o aumento dos casos, principalmente, entre crianças, pode ser explicado pelo “relaxamento” das normas.
“Nossa política de enfrentamento não segurou a pressão e cedeu um pouco. Talvez nós só saibamos respeitar quando lidamos com o medo real da perda. Vivemos num momento de guerra. E não podemos menosprezar o inimigo. Não precisamos ser São Tomé”, desabafou.
Com as incertezas, como a da vacina, ela sugere “amor” para enfrentar este momento.
“Então ame e dê amor da melhor forma que o momento nos pede. Sejamos cautelosos. É necessário nos distanciar fisicamente por um período para que ele não seja eterno”.
Saúde mental
Também na linha de frente, a psicóloga Lívia Enes trata a pandemia como a “maior emergência de saúde pública”. Com ela, vieram doenças além do físico.
“Observa-se o surgimento de um estado de pânico social, e a sensação do isolamento social desencadeia sentimentos como o medo, a insegurança e a angústia, podendo se estender até mesmo após o controle do vírus”, analisou.
Cada internação de pacientes suspeitos ou confirmados com o vírus carrega também outro sentimento: a solidão do tratamento.
“Pois não podem receber visitas presenciais de seus familiares pelo risco de propagação da doença. Pacientes e familiares passam a vivenciar diferentes sentimentos, sempre a espera dos boletins médicos e momento de alta hospitalar, que muitas vezes não chega a acontecer, pois o paciente evolui a óbito”, relata.
Além disso, tem o impacto da perda sem despedida. Por outro lado, a superação.
“Também encontramos histórias de superação, onde pacientes e familiares passam pela COVID e se recuperam. Utilizam também de suas crenças e fé para lidarem melhor com o momento de adoecimento”, contou.
Foto de capa (esquerda para direita) Marcone Lisboa, Milene Oliveira e Lívia Enes
Crédito: Arquivo pessoal