Douglas Fernandes

Imagine dois policiais no cumprimento do dever. Imaginou? Agora vamos dizer que um deles decida roubar o dinheiro de um traficante que foi preso. O que o outro policial deveria fazer: se manifestar ou ficar calado? Acho que para a maioria das pessoas de boa índole é óbvio que ele deveria se manifestar, delatando a transgressão, porque ele está cumprindo seu dever.

Agora o que eu não entendo são as manifestações contrárias ao posicionamento de lideranças religiosas em relação ao debate envolvendo a ideologia de gêneros ou a questão de gêneros, em especial aqui em Divinópolis. Salvo engano, as crenças cristãs se baseiam em um livro milenar e lá, se a minha memória ajuda, é enfatizado que homem e mulher foram criados para crescer e multiplicar. É óbvio, então, que qualquer ação ofensiva à essa crença estimule e incentive manifestações por parte desse público. É uma afronta às suas bases fundamentais e é o dever de um clérigo, capaz de reunir milhares durantes suas pregações, se manifestar a respeito.

Mas existe uma linha tênue que separa um posicionamento contrário de um discurso de ódio. Cruzar essa linha é fácil e poucos percebem quando o fazem. Atualmente, com as redes sociais, esse tipo de comportamento está ficando cada vez mais claro: “se você não concorda comigo, é porque está errado! E se está errado, você é menos do que eu”.

Ter uma opinião, um comportamento que não seja igual dos outros não torna ninguém melhor ou pior do que outro. Torna, sim, diferente. E nesse caso, acho eu, é preciso ter sabedoria e maturidade para compreender isso. A questão a homossexualidade é um comportamento que vem “saindo do armário” há anos. Historiadores apontam que relações com pessoas do mesmo sexo aconteciam na antiguidade, mas por questões sociais e culturais, essas pessoas não podiam revelar suas opções sexuais.

Hoje, a situação já não é essa. Na novela ou na vida real, é comum ver um casal de homens de mãos dadas ou duas mulheres se beijando. Quer você goste ou não. São questões culturais e sociais que estão se modificando e que vão causar reações, já que afrontam conceitos milenares. Mas isso não quer dizer que o comportamento seja certo ou errado. Quer dizer que ele é diferente.

“Mas na Bíblia diz que homem e mulher foram criados para formarem um casal, como você mesmo disse aqui”. Sim, eu disse isso. Mas há também trechos na Bíblia e em outros livros sagrados, que permitem e incentivam a escravidão, menosprezam mulheres e ainda justificam divinamente que elas sejam apedrejadas até a morte se cometerem adultério. Certo ou errado? Na verdade, diferente.

Então como poderia julgar o que é um comportamento certo ou errado se nossa cultura humana é tão diversificada? Nem mesmo as escrituras sagradas, sejam elas quais forem, são claras e objetivas, permitindo interpretações tão gritantes, que são capazes de desencadear guerras seculares, como no Oriente Médio.

E amadurecendo a ideia desse texto na noite de ontem, me lembrei que já havia visto algo parecido sobre a intervenção religiosa em assuntos polêmicos. Buscando na minha biblioteca caseira, encontrei o que procurava:

“Nós somos seres da criação divina. No entanto, há em nosso meio aqueles cuja existência é uma afronta a essa divindade. Nós somos como Deus nos fez! Qualquer desvio deste templo sagrado… qualquer mutação… não pode vir do céu, mas do inferno!”. 

A fala é pertinente, mas não é real. Quem diz isso é o reverendo Willian Stryker, em uma revista em quadrinhos da década de 1980 chamada “Deus ama, o homem mata”, que trata basicamente do preconceito e do medo que nós, humanos, temos daquilo que é novo, que é diferente.

Nessa história, os mutantes são perseguidos devido à suas habilidades. Mas fica claro que é uma metáfora, pois um negro, um judeu ou um homossexual são vistos muitas vezes como mutações diante da base fundamental da nossa cultura, sociedade ou religião.

E no ápice da história, quando Stryker é confrontado, surge um trecho magnífico sobre o assunto: “Quem diz? Você? O que torna o seu elo com o paraíso mais forte do que o meu? Rótulos arbitrários são mais importantes do que a maneira como levamos nossa vida? O que supostamente somos é mais importante do que realmente somos?”

Se sou contrário ou a favor dos gêneros? Vou responder com um exemplo: imagine um professor de faculdade que lida com universitários em formação. Eles ainda estão descobrindo quem são, o que querem e no que se tornarão. Acredito que cabe a esse professor, muito mais do que determinar o que é certo ou errado para seus alunos, conversar com eles e tentar mostrar uma visão de mundo mais crítica e bem formada, que permita que eles façam suas escolhas em vez de aceitar, passivamente, que outros digam o que eles podem ou não podem ser.