As polêmicas do mês passado não podem ser varridas para debaixo do tapete
* Márcio Almeida
O mês de maio trouxe polêmicas de sobra à vida política de Divinópolis. Foram tantas e tão próximas no tempo que umas podem levar as outras a serem esquecidas, em prejuízo do interesse público. Ainda se falava sobre a necessidade de tirar do esquecimento as conclusões da CPI da Educação, que mostraram com clareza compras feitas de modo desvantajoso para os cofres públicos, e já se discutiam as muitas contratações temporárias do setor de saúde, capazes de impactar negativamente o sistema municipal de previdência.
Enquanto os dois temas eram repercutidos na mídia e em redes sociais, veio a proposta da CPI da Vigilância Sanitária para investigar a conduta da administração municipal em relação a uma clínica de estética da cidade. O estabelecimento não foi interditado, apesar de ter sido alvo de denúncia grave relacionada à realização de procedimentos invasivos não autorizados, incluindo um paciente com sequela, e continuou a receber clientes, entre eles uma mulher que durante o atendimento entrou em parada cardiorrespiratória seguida de óbito.
Se não fosse o bastante, o tumultuado maio da política divinopolitana teve uma operação do Ministério Público (MP) contra políticos. Em investigação deflagrada a partir de denúncia feita pelo prefeito Gleidson Azevedo, o MP conseguiu da justiça uma decisão que afastou Rodrigo Kaboja de suas funções no Legislativo e Eduardo Print Jr. da presidência da Câmara Municipal. O afastamento foi proposto enquanto se investigam suspeitas de um esquema de vantagens financeiras supostamente oferecidas por empresários a parlamentares em troca da aprovação de projetos que modificam o zoneamento urbano para permitir atividades empresariais em alguns dos bairros da cidade. E ainda houve o surto de megalomania do prefeito, que em discurso feito em praça pública sustentou que foi só após o início de sua administração, dois anos atrás, que Divinópolis saiu do abandono político em que esteve durante 109 dos seus 111 anos de história como município.
Até aqui já se teria uma overdose de polêmica de fazer inveja à cidade mais conturbada em matéria de política. Mas maio trouxe mais. Trouxe o prefeito negando, como de praxe, o que havia dito diante de câmeras e xingando um repórter, ao qual acusou de ter “xilique” ao comentar desfavoravelmente sua fala sobre os 109 anos de abandono do município. E trouxe, como uma espécie de coroamento, o julgamento da primeira denúncia de infração político-administrativa apresentada por um cidadão contra o prefeito em razão das contratações temporárias na saúde.
O julgamento da admissibilidade da denúncia ocorreu em uma sessão da Câmara que terminou literalmente em polícia e que teve direito a denúncias de ameaça de agressão e de agressão física consumada, assim como teve uma fala do vereador Diego Espino sobre a mãe de Eduardo Print Jr. que disputa o posto de maior baixaria já dita na atual legislatura.
Polêmicas
Situações de polêmica abundante como as do mês de maio, por envolverem tanto o Executivo quanto o Legislativo, costumam produzir naquela parte da opinião pública que não se considera fã ou inimiga dos atuais mandatários uma espécie de juízo que condena a política por inteiro.
É neste ponto que surgem ideias, em alguns casos dignas de serem levadas a sério, como a de começar a pensar na próxima eleição municipal a fim de que melhores nomes sejam escolhidos pelo eleitorado. Mas é também neste ponto que surge um problema frequente em momentos tumultuados, que é a confusão entre o que constitui apenas polêmica, como a ignorância histórica do prefeito ao pretender que o município só começou a deixar o abandono político no início de sua gestão ou a baixeza moral de Diego Espino ao falar da mãe de um colega, e o que é fato que precisa ser apurado na medida em que pode comprometer políticas públicas importantes para a população.
O desafio para Divinópolis é não permitir que as polêmicas em sequência impeçam as apurações de fatos que devem ser feitas. Assim, por exemplo, é preciso dizer que, independentemente do que se vier a descobrir sobre a participação de Print Jr. nas suspeitas de corrupção envolvendo votação de leis de zoneamento, se é que há o que descobrir, ele lançou um alerta socialmente útil ao mencionar, dias antes de ser afastado da presidência do Legislativo, os riscos do sistema municipal de previdência em razão do excesso de contratações temporárias determinadas pelo atual prefeito.
Esse alerta, aliás, já vinha sendo feito pelo Sintram, enquanto entidade sindical dos servidores municipais. É preciso, pois, prosseguir na investigação, assim como é preciso trazer à tona as conclusões da CPI da Educação, cujo arquivamento, como o próprio Print lembrou, está entre as vergonhas políticas que a maioria do Legislativo impôs ao povo divinopolitano, que não merecia tal descaso para com o dinheiro público da parte de representantes eleitos para fiscalizar o erário.
Do mesmo modo, é incontornável levar a efeito a investigação da CPI da Vigilância Sanitária. Chega a ser surreal que o trio de gestores da saúde tenha a capacidade de alegar publicamente que fez tudo o que poderia fazer para impedir que uma clínica de estética já denunciada por fato grave e interditada por procedimento irregular continuasse a trazer riscos sanitários à sociedade, riscos estes explicitamente denunciados pelo MP com um não menos explícito pedido de providências imediatas. Essa alegação é tão surreal quanto o fato de a secretária de Educação ter dito aos vereadores, na CPI das compras superfaturadas, que é uma “técnica” de sua área e não se ocupa, por conseguinte, de aspectos como a operacionalização de compras, embora eles estejam legalmente sob sua responsabilidade enquanto ordenadora de despesas da pasta. É tão surreal, ainda, quanto o fato de o diretor de Educação, na condição de investigado pela mesma CPI, ter se posto a ensinar aos vereadores o modo como deveriam se conduzir enquanto investigadores, em um absurdo que merece entrar para a história do folclore político local.
Por fim, é impossível fugir à investigação do que de fato se passou em relação às suspeitas de corrupção na aprovação de mudanças na legislação do zoneamento urbano. Em qualquer lugar do mundo que se guie por um mínimo de decoro na vida pública, as palavras do vereador Kaboja, transcritas na decisão do juiz que o afastou, soarão profundamente constrangedoras.
Não menos constrangedora, a propósito, é a situação em que a Câmara foi posta pelo prefeito Gleidson e por seu irmão, o deputado estadual Eduardo Azevedo. As palavras de ambos — ao fazer e repercutir, respectivamente, a denúncia de suposta corrupção de um modo generalizante — lançaram a fumaça do descrédito não sobre alguns parlamentares, o que seria compreensível, mas sobre todo o Legislativo, plantando na sociedade uma profunda descrença em relação a ele enquanto instituição e, por conseguinte, enfraquecendo seu capital moral para exercer a fiscalização do Executivo agora que ela é mais necessária.
Ao deixar a liderança do grupo parlamentar de apoio ao prefeito Gleidson, sob a justificativa de que, entre outros pontos, a atual administração é um projeto de poder voltado a atender interesses de base familiar e não um projeto amplo para o desenvolvimento de Divinópolis, o que veio a ser outra das polêmicas do mês passado, o vereador Edsom Sousa deu uma senha importante para todos os homens e mulheres que desejam as coisas certas na vida pública.
Nas entrelinhas de suas palavras se pode ler a sugestão, tão correta quanto oportuna, de que, se desejarem estar à altura do momento histórico, tais mulheres e homens não podem agir sem um projeto consistente. Esse projeto, no devido tempo, poderá ser convertido em propostas na disputa eleitoral da administração e do Legislativo municipal. Até lá, porém, o papel que cabe às pessoas comprometidas com a ética é não esquecer nenhuma das graves questões que maio trouxe em meio às suas polêmicas.
Tirar de baixo do tapete o que foi posto lá em nome da conveniência de alguns e investigar tudo o que precisa ser investigado no interesse de todos é o primeiro passo para responder ao abandono da prudência e da sabedoria política que se instalou na vida pública municipal há dois anos e que não tem, este sim, nenhum paralelo nos 111 anos de história de Divinópolis.
*Márcio Almeida é analista político do Portal Gerais e escreve semanalmente neste espaço.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PORTAL GERAIS.