Registro do obra da ETE do Itapecerica feito em 2018 (Foto: Amanda Quintiliano)

Resultado de vistoria ameaça renovação de licença de operação; concessionária afirma que cumpre requisitos

A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) fez várias alterações no projeto da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) do rio Itapecerica sem aviso prévio ao órgão ambiental licenciador e adiou por diversas vezes o começo dos testes que demonstrariam a capacidade operacional da estrutura, em desacordo com os estudos feitos para nortear as obras. É o que revela o relatório de uma vistoria feita no último dia 11/6 por fiscais da Superintendência de Meio Ambiente do Alto São Francisco (Supram-ASF) e apurado com exclusividade pelo PORTAL GERAIS. O órgão afirma que essas condutas erráticas serão consideradas quando for o momento de decidir se renova ou não a licença de operação da concessionária. 

As obras começaram em agosto de 2016 e desde então tiveram a conclusão adiada por várias vezes, a pedido da Copasa. A mudança mais recente foi em julho de 2020, quando prometeu à Prefeitura de Divinópolis que entregaria a ETE do Itapecerica em julho de 2021.

Faltando um mês para o fim do prazo, a companhia afirma ao PORTAL GERAIS que precisa adiar de novo. Desta vez, pelo menos até dezembro deste ano. Falta, porém, dialogar com o governo municipal. No ano passado, quando ainda era candidato a prefeito, Gleidson Azevedo (PSC) prometeu cobrar da Copasa rigor no cumprimento dos acordos.

O PORTAL GERAIS tenta, desde terça-feira (15/6), apurar a posição do Executivo sobre este novo adiamento que a Copasa pretende pedir, mas ainda não teve resposta.

Uma das etapas de construção da ETE (Foto: Divulgação)

Prazos e adiamentos

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Social (Semad), à qual a Supram-ASF é subordinada, informa que em junho de 2016 concedeu à Copasa a licença ambiental prévia concomitante à licença de instalação para a implantação da ETE do Itapecerica.

A autorização foi concedida primeiro com a validade de dois anos. Ou seja: com vencimento para junho de 2018, ano em que a Copasa formalizou à Supram-ASF o pedido de licença para a fase de operação do empreendimento.

“No entanto, é importante esclarecer que, apesar da formalização do processo administrativo para operação da ETE, ainda cabia à Copasa concluir a implantação total de seu empreendimento, ou seja, a finalização das edificações, estruturas para o tratamento, interceptores, emissários, reatores, energia elétrica, etc., conforme consta nos autos de instalação, construções essas necessárias para o início da operação.”

Tanto que as duas licenças foram prorrogadas até 2022.

“É importante ressaltar também que, como o empreendimento ainda não estava integralmente implementado, o órgão ambiental não detinha condições de vistoriar a ETE Itapecerica para avaliar a fase de operação, considerando que se aguardava a conclusão das instalações do empreendimento pela própria Copasa”, ressalta.

Trator em operação no primeiro dia de obras, em 2016 (Foto: PMD/Divulgação)

Ainda segundo a Semad, em 1º de julho de 2019 foi apresentado pela concessionária ao órgão um pedido de autorização para realização dos testes operacionais, necessários à verificação das instalações. O pedido foi aceito pela Supram-ASF e, a pedido da empresa, o prazo foi prorrogado até 8 de março de 2020.

“Em julho de 2020, foi protocolado no órgão o ofício assinado pela Copasa pelo qual informa a paralisação dos testes operacionais em virtude da pandemia da Covid-19. Em resposta ao pedido, foi solicitada pela Supram-ASF a apresentação de relatório técnico para que fossem apresentados os resultados dos testes realizados no período anterior à pandemia, conquanto, ainda não se teve manifestação quanto a essa solicitação, bem como ainda não foi informado se houve a finalização de todas as instalações que tornassem o empreendimento apto à fase de operação”.

Em outubro de 2020 a Copasa apresentou um novo pedido de autorização para realizar novos testes operacionais.

“Portanto, desde que obteve a licença para instalação (em 2016) a Copasa solicitou vários pedidos de prorrogação para dar andamento à implementação das estruturas da ETE do Itapecerica e, consequentemente, adiou o início dos testes que demonstrariam a capacidade operacional do sistema de tratamento de esgoto sanitário”.

Ainda de acordo com a Semad, essa dilação de prazo se deu pelas ações da própria empresa, sem qualquer contribuição ou ingerência do órgão ambiental e, apesar de ter sido formalizado o processo de licenciamento para operação, não era possível prosseguir porque a instalação ainda não havia sido concluída.

Registro feito no início das obras, em 2016 (Foto: PMD/Divulgação)

Vistoria

Em 11 de junho de 2021, a Supram-ASF fez uma nova vistoria na ETE Itapecerica, justamente, para avaliar se as obrigações da licença de instalação concedida em 2016 haviam sido cumpridas. Os fiscais constaram que ainda não havia sido instalada boa parte das estruturas do empreendimento, tal qual o projeto apresentado ao órgão ambiental e que subsidiou a emissão das duas licenças.

“Além disso, foi verificado que foram promovidas consideráveis alterações no projeto sem a prévia comunicação ao órgão ambiental licenciador e que estão em claro desacordo com a documentação e estudos acostados nos autos do processo de licenciamento ambiental para a fase de instalação”.

A Semad afirma que as informações estão sendo apuradas pela Supram-ASF, considerando que podem afetar diretamente na análise de mérito do pedido de licença de operação, especialmente porque as instalações da ETE não foram concluídas a tempo e modo, desrespeitando o projeto aprovado na fase de instalação e, consequentemente, acabando com a viabilidade ambiental de operação neste momento.

Companhia nega

Questionada pelo PORTAL GERAIS sobre o atraso na construção da ETE do Itapecerica, a Copasa afirma que cumpre todas as etapas previstas no contrato e que a impossibilidade de entregar as obras no próximo mês é consequência de um incêndio ocorrido no ano passado e que destruiu milhares de metros de tubulações.

“Haverá necessidade de prolongamento do cronograma das obras para até dezembro de 2021. O incêndio ocorrido na área da ETE do Itapecerica em setembro de 2020 queimou e inutilizou milhares de metros de tubos que seriam utilizados nas obras pela cidade. A reposição desse material está em andamento, mas de forma mais lenta que o esperado, devido a atrasos por parte de fornecedores, cujas entregas foram afetadas pela pandemia da covid-19”, diz a Copasa.

A companhia espera instalar mais de 79 quilômetros de redes coletoras e interceptores em todas as regiões da cidade. Garante que já foram implantados mais de 50 quilômetros de tubulações e que hoje atua em 15 frentes de serviços referentes às obras do sistema de esgotamento sanitário.

Confirma que a ETE do Itapecerica opera em fase de testes. Além da necessidade de concluir as obras, a empresa ainda aguarda pela obtenção da licença de operação, que precisa ser expedida pela Supram-ASF. Esse documento é obrigatório para que a ETE  possa ter pleno funcionamento e atender às regiões que já possuem interceptores implantados.

Registro do começo dos testes na ETE do Itapecerica (Foto: TV Integração/Reprodução)

Contrato milionário

O contrato que concede à Copasa o direito de operar os serviços de água e esgoto em Divinópolis vai até o ano de 2042. Os termos do acordo já foram alvos de muitas críticas por parte de pessoas e entidades que, em diferentes ocasiões, apontaram falhas da companhia no cumprimento. Muitos candidatos a cargos no Executivo e no Legislativo prometeram durante campanhas que romperiam a parceria caso fossem eleitos.

Em novembro de 2020, durante um debate eleitoral na TV Alterosa, o então prefeito e candidato à reeleição pelo MDB, Galileu Machado, disse que um estudo foi feito para apurar os impactos de um eventual rompimento do contrato e a conclusão foi de que poderia custar R$ 300 milhões ao Município como indenização à Copasa pelos investimentos feitos. 

“Para romper, o Município precisa pagar cada tostão de investimento”, declarou.

O investimento que Galileu cita é a soma de todos os valores já aplicados pela companhia desde a assinatura do contrato. Segundo o emedebista, ele não chegou a romper o acordo justamente devido aos gastos que isso geraria.

Durante o mesmo debate, Gleidson afirmou que, se fosse eleito, não romperia o contrato com a Copasa. Segundo o então candidato, seria preciso fazer com que a Copasa passasse a cumprir os termos.

A Copasa, por sua vez, afirma que não há motivo para a hipótese de rompimento do contrato sequer ser cogitada.

“Neste momento, todos os compromissos que constam como metas de atendimento nesse contrato estão sendo rigorosamente cumpridos pela Copasa. A relação com o Município prima pelo respeito aos compromissos pactuados, nos prazos definidos, em observância ao que reza o contrato de programa e ocorre de forma direta, respeitosa, transparente e ética”.

Histórico de atrasos

Em dezembro do ano passado, o então prefeito eleito se reuniu com integrantes da equipe de transição do governo Galileu para se informar sobre aspectos do contrato da Prefeitura que estariam sendo descumpridos.

Questões como a falta de recompensa a famílias da rua Mar e Terra, no Candelária, que teriam sido afetadas diretamente pela obra de construção da ETE do rio Itapecerica e problemas no contrato firmado por ex-prefeitos e que não têm sido cumpridos dentro dos prazos, dentre outras questões, que já foram temas de muitas reuniões no Legislativo e no Executivo. Mesmo com tantas reclamações, a Copasa afirma que cumpre bem o contrato.

Gleidson agendou para os dias 18 e 22 de dezembro as ações de comissões criadas por ele para se dedicarem exclusivamente a detectar as responsabilidades da Copasa nestes e em outros problemas percebidos na cidade. Seriam montadas duas frentes de trabalho: uma focada em contratos e regulações e outra em operações e comunicações.

No primeiro momento, o foco foi a produção de um levantamento que detalhasse as obrigações contratuais entre Copasa e Município. Além de representantes desses dois seguimentos, a Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Agua e de Esgotamento Sanitário de Minas (Arsae-MG) também deveria ser convocada, por sugestão da equipe de transição. O Ministério Público mineiro também seria convidado a acompanhar as discussões.

“Cobramos da Copasa um plano de trabalho e deixamos claro que não teremos tolerâncias com aditivos ao contrato e nem com a prorrogação de prazos”, disse Gleidson, à época.

Representantes da Copasa que participaram da reunião disseram que os atrasos nas prestações dos serviços não ocorreram por falta de dinheiro, mas porque surgiram problemas burocráticos como emissão de licenças e contratos com prestadoras de serviço terceirizadas que não cumpriram acordos ou abandonaram as obras e decretaram falências.

A equipe da companhia falou ainda sobre investimentos que a estatal pretende fazer ao longo de 2021 e 2022. Também demonstrou interesse por participar das comissões convocadas pelo prefeito eleito.

Reunião entre representes da Copasa e do governo Gleidson Azevedo (Foto: Divulgação)

Assinaturas no contrato

Em 22 de junho de 2020, Galileu se reuniu com representantes da Copasa para assinar o termo de contrato que trata da segunda etapa da construção do sistema de esgotamento sanitário de Divinópolis. No documento consta um investimento de R$ 143 milhões para intervenções que incluem a ETE do Itapecerica, então já na fase de testes em que ainda está, e a implantação completa do sistema de esgotamento e de uma unidade de tratamento de esgoto no bairro Santo Antônio dos Campos (Ermida), em Divinópolis. 

O contrato prevê a instalação de 70 quilômetros de interceptores ao longo das margens do rio Itapecerica e dos córregos contribuintes para captar os esgotos provenientes dos imóveis das regiões localizadas entre o bairro Belvedere até às margens do Córrego do Bagaço. 

O então prefeito, Galileu Machado, assina contrato para começo da segunda etapa das obras (Foto: PMD/Divulgação)

Autoridades exigiram para 2020

Em 28 de maio de 2019 o PORTAL GERAIS informou que ¼ da ETE do Itapecerica já estava funcionando e a previsão era de que ela já estivesse totalmente pronta até ao fim daquele ano. Porém, isso só ocorreria após outras obras serem concluídas, como uma na Rua Pitangui.

Em 19 de novembro de 2019, apesar da exigência das autoridades, a Copasa informou que adiou por mais 120 dias a entrega da ETE do Itapecerica. Ou seja: ficaria para 2020. A justificativa foi de que a Supram precisou estender o prazo do período de testes. A concessionária disse que daria início à operação depois de todos os testes serem finalizados. 

A Copasa alegou ainda que a empresa contratada para a realização da primeira etapa da obra entrou em processo de recuperação judicial e isso resultou em descumprimento do cronograma de conclusão da ETE. A companhia reforçou que foram tomadas medidas administrativas e judiciais em relação à empresa contratada.

Uma das fases de construção da ETE (Foto: Impermeável Engenharia)

Desafios de infraestrutura

Em 17 de maio de 2018, a informação era a de que 45% das obras da ETE do Itapecerica estavam concluídas e, com isso, a taxa pela prestação do serviço passaria a ser cobrada a 24 bairros de Divinópolis. A previsão era de que, a partir do mês mencionado, a cobrança fosse gradativa aos consumidores das demais regiões até atingir o tratamento de 90% do esgoto.

A previsão era de que isso ocorreria até dezembro. Mas, alguns empecilhos poderiam atrasar o cronograma. Para que todo o esgoto pudesse ser tratado até dezembro daquele ano, deveriam estar instalados 6.133 metros de redes coletoras e 7.4434 metros de interceptores.

Também seriam necessárias as construções de dez estações elevatórias. Tudo obrigação da Copasa. Mas, alguns bairros não tinham qualquer infraestrutura. Dentre eles, aqueles beneficiados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Saneamento.

Ou seja: àquela altura a Copasa já estava prevendo empurrar para 2019 tudo aquilo que em 2017 havia prometido para 2018.  

Ilusão inicial

Em 2017, um ano depois do começo das obras, a promessa da Copasa foi exatamente esta: entregar a ETE do Itapecerica em 2018, conforme o PORTAL GERAIS também registrou. Galileu recebeu na prefeitura o diretor de operação Frederico Ferramenta, que voltou a confirmar a conclusão das obras da ETE do Itapecerica para 2018.

“Tivemos um encontro com o prefeito Galileu sobre os prazos de entrega da ETE e deixamos claro o compromisso de entregar as estações de tratamento. A ETE Itapecerica está com as obras de terraplenagem concluídas e neste ano realizaremos a parte de infraestrutura, concreto e equipamento para que no próximo ano iniciemos a operação”, afirmou Ferramenta.

Galileu acreditou.

“Está combinado com a Copasa que a estação de tratamento de esgoto funcionará na cidade. É grande avanço nas negociações”, afirmou o prefeito.

Reunião entre representante da Copasa e o governo municipal, em 2017 (Foto: PMD/Divulgação)

Início de tudo

Foi no dia 24 de agosto de 2016 que tudo começou. Naquela data a Copasa iniciou os primeiros serviços para implantar a ETE Itapecerica. Setenta e quatro quilômetros de redes interceptoras de esgoto nas bacias do Itapecerica, do Pará e de Ermida seriam implantados na construção de duas estações de tratamento de esgoto: ETE do Itapecerica e ETE de Ermida.

Além das obras, também o programa “Caça-Esgoto” seria implementado para identificar e retirar o lançamento indevido de esgoto dos mananciais. A implantação das estações permitiria que 90% do esgoto coletado seria tratado – estas, somadas aos 10% da estação de tratamento existente na bacia do Pará, possibilitariam o tratamento de 100% do esgoto no município.

Equipes da Copasa em registro feito no primeiro dia de obras (Foto: PMD/Divulgação)

Papel aceita tudo. Não apenas o papel do contrato firmado entre o Município de Divinópolis e Copasa, mas também o papel dos acordos firmados desde então para reajustar prazos ao sabor das exigências feitas pela companhia e o papel dos noticiários que registraram cada um desses episódios.

De todos esses papeis, o mais significativo é aquele que todo mês chega às casas dos consumidores. O papel da conta de água, sobre a qual muitos divinopolitanos pagam pesadas taxas de coleta e tratamento de esgoto sem terem sequer a tubulação do serviço ligada às suas casas. 

‘Obras a 100 metros’, onde já estão há cinco anos (Foto: PMD/Divulgação)