Foto: Divulgação

Douglas Fernandes

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Nasci na década de 1980 e ainda me lembro de uma época mais tranquila e menos cheia de “mimimi”, com menos politicamente correto e mais liberdade. E essa recordação me veio essa semana depois de um episódio, no mínimo, incômodo. O artista brasileiro Rafael Albuquerque produziu a arte de uma capa para a revista do Batman, para a DC Comics, em comemoração à obra prima “A Piada Mortal”. E não é que antes mesmo de ser publicada, a editora comunicou que não irá lançá-la!?

O motivo foi uma série de críticas, afirmando que a imagem seria ofensiva ou induziria a agressões contra mulheres. Sinceramente, não vi nada demais. E esse caso ainda me remete a outro caso, alguns anos atrás, quando um colunista do Observatório da Imprensa produziu um texto criticando o trabalho do Maurício de Souza, afirmando que o conteúdo da Turma da Mônica seria uma apologia ao bullying.

Sinto como se houvesse uma espécie de inquisição, uma caça às bruxas, que vem ganhando força, progressivamente, às vezes surgindo com maior força e tolhendo a liberdade de expressão. No caso da capa de Albuquerque, sinceramente, não vi nada demais. Na verdade, a história que inspirou a capa, “A Piada Mortal”, do aclamado Alan Moore, é muito mais complexa e politicamente incorreta. Nela, o Coringa invade a casa do Comissário Gordon e atira contra sua filha, Bárbara, deixando-a paralítica.

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Na verdade, a produção de quadrinhos adultos na década de 80, mostrou sua força, como Watchmen, O Cavaleiro das Trevas, Hellblazer, O Monstro do Pântano e a própria Piada Mortal, citando aqui somente alguns. Temas sociais, econômicos e culturais eram tratados em histórias recheadas de críticas ácidas, expondo assuntos que existem, mas que por vezes, a indústria cultural mainstream prefere (ou não pode) expor.

De forma semelhante, o tal beijo homossexual da Fernanda Montenegro, na novela Babilônia, trouxe à tona um debate complexo e antigo sobre liberdade de expressão. A questão de gosto sexual se transformou em uma guerra, que lida, basicamente, sobre intolerância e preconceito. Muitas pessoas só consideram preceitos religiosos ante preceitos sociais e culturais. Não digo que devemos aceitar tudo de pronto, sem questionar, mas acho que antes é preciso um questionamento mais crítico, mais amplo.

A Nickelodeon, produtora de desenhos animados, como Bob Esponja, também resolveu botar o dedo na ferida, finalizando a série “A Lenda de Korra” com uma sugestão (bem explícita, diga-se de passagem) de um relacionamento homossexual envolvendo a personagem principal.

A questão do homossexualismo é uma realidade, quer as pessoas gostem ou não. Isso é fato. A tendência é que esse tipo de relação apareça de forma mais recorrente, seja na vida real, assim como na ficção. A questão é como a pessoa vai lidar com isso. Não é porque tal ato é contra seus conceitos que ele é errado. Não é fácil, mas às vezes é preciso ter a mente aberta para discussões de nível mais alto sobre assuntos polêmicos.

Voltando ao caso da capa de Albuquerque, violência contra mulheres, é uma triste realidade em que vivemos (e não acho que a imagem incite esse tipo de ato violento). Então, entendo que por vezes, é preciso esfregar a realidade na cara da sociedade para que o choque faça pensar sobre o que está acontecendo. Porque tentar ocultar o problema pode piorar muito mais a situação.

E isso me faz lembrar ainda (sim, sou um cara nostálgico) da obra prima de Ray Bradbury, Fahrenheit 451. Num futuro sombrio, os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido. E os bombeiros existem para caçar, encontrar e incendiar os livros que ainda existam.

Ainda não chegamos a tanto, mas se atitudes como essa contra a DC Comics prevalecerem, a inquisição que citei lá em cima, vai começar a ganhar força para conseguir tolher outros tipos de manifestações artísticas que ela julgue serem contra produtivos socialmente (segundo os preceitos dela).

Acho que é preciso, muito mais, discutir o que é produzido culturalmente, do que julgar se está certo ou errado. Programas como Big Brother não recebem audiência por nada e revelam muito mais sobre a sociedade em que vivemos do que jornais ditos sérios. E desde os primórdios, o homem usa da ficção pra conseguir lidar melhor com a realidade em que vive. Mas me parece que esquecemos disso. O velho ditado de que “a vida imita a arte” não é por acaso. Só que é mais fácil bater no peito e afirmar que é favor disso ou contra aquilo, do que abrir um livro ou pesquisar na internet pra entender o real contexto do que está acontecendo.