Fechamento das lojas físicas é uma das determinações (Foto: CDL/Divulgação)

Sem fluxo de caixa, empresários reagem como podem: antecipam férias, benefícios e apostam nas vendas pela internet

A Onda Roxa – fase mais rígida do programa “Minas Consciente”, criado pelo governo estadual para nortear estratégias contra a pandemia de covid-19 – tem tirado o sono de muitos lojistas em Divinópolis. Com o objetivo de reduzir a circulação de pessoas para tentar conter a propagação do vírus, a nova classificação impede a venda direta nos balcões. Enquanto alguns empresários já pensam em encerrar as atividades, outros apostam as fichas que ainda têm na internet.

Luiz Angelo Coutinho Gonçalves é empresário do ramo fotográfico. Já foi presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas e hoje é secretário municipal de Desenvolvimento Econômico. Funções que o leva a ser bastante procurado por comerciantes em busca de orientações. Ele afirma que tem recebido relatos preocupantes.

“Acabo lidando o dia todo com o setor produtivo. Neste momento, os que têm restrições de funcionamento na Onda Roxa, que reflete principalmente no comércio e na prestação de serviços, estão numa situação mais delicada do que nunca. Isso porque a gente já vem de um ano sem o funcionamento normal. Em todas as ondas, até mesmo na Verde, há alguma restrição de atividade. No entanto, essa nova, bem mais restritiva, acaba por praticamente inviabilizar boa parte dos negócios”.

O setor de serviços é o mais afetado. Isso porque a maioria do que é oferecido neste segmento (como um ensaio fotográfico, por exemplo) não pode ser entregue por delivery. Já no comércio, boa parte das empresas em Divinópolis são pequenos negócios com dinâmicas elaboradas para o atendimento presencial.

“Não existe uma adaptação de 100% dos negócios em relação a vendas online ou mesmo adaptação do próprio cliente. A competividade dessas pequenas empresas passa muito em cima da qualidade e da personalização do atendimento. Dessa forma, o cenário é muito complexo”, pondera.

Quando abriu no auge da pandeia, comércio de Divinópolis teve regras como a desinfecção das mãos (Foto: Divulgação)

Renda em risco

Com menos gente consumindo e trabalhando, a renda média das famílias brasileiras tende a reduzir. Ainda segundo Gonçalves, o fim do auxílio emergencial do Governo Federal acelera a curva para baixo.

“Mesmo os segmentos abertos na Onda Roxa, como supermercadistas, já vêm apontando reduções nas suas vendas devido ao encolhimento das rendas das famílias com o fim do auxílio. Nós temos neste ano um complicador a mais que em 2020, que é o fato de o Governo Federal não ter mantido o programa de suspensão ou redução temporária do trabalho e nem o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). Eles foram muito importantes na manutenção do emprego”.

As pequenas empresas sofrem mais com o fechamento porque precisam reduzir ou suspender jornadas dos seus trabalhadores sem poder repassar a despesa aos cofres federais. Os patrões se veem obrigados a bancar as restrições ao trabalho – o que tem levado a demissões de trabalhadores e até ao fechamento de empresas.

“Divinópolis tem quatro mil estabelecimentos comerciais, que geram 15 mil empregos. São cerca de 20 mil pessoas diretamente envolvidas nos segmentos de comércio e prestação de serviços. Boa parte dos empreendedores e colaboradores, neste momento, corre risco grave de dificuldade de fluxo de caixa”, pondera.

Perigo de fechar

Um dos empresários que se sentem com a corda no pescoço é Marcelo Duarte, sócio proprietário de uma rede de lojas de enxovais com 97 funcionários. Ele diz que a Onda Roxa põe o negócio em risco.

“Temos lojas em Divinópolis, Nova Serrana, Formiga, Arcos, Itaúna e Cláudio. Todas estão fechadas. Estamos com queda de 90% nas vendas. O delivery já não atende mais às nossas expectativas, porque as pessoas estão sempre acreditando que vai tudo logo vai reabrir e, por isso, vão adiando as compras. O delivery hoje já não tem força nenhuma”.

A possibilidade de demitir já começa a ser pensada e o empresário diz que não tem visto nenhuma manifestação do governo federal capaz de mudar esse rumo. 

“A gente já sabe que agora vamos ficar não 14, mas 30 dias fechados. É bem provável que nas próximas semanas já comecemos, infelizmente, com muita dor no coração, a fazer algumas demissões”.

Fechando

Um negócio que já segue os trâmites necessários para encerrar as atividades é a loja de roupas que o empresário Abilio Neto possui em Itaúna. “Não tem mais condições de continuar do jeito que está. Já estou em processo de retirada de peças”, conta.

Abilio também é dono de uma escola de cursos profissionalizantes em Divinópolis, que segue enfrentando as adversidades impostas pelas ondas do “Minas Consciente”.

“A gente tinha já restrições muito fortes na Onda Vermelha, como o distanciamento. A Onda Roxa, por sua vez, me parou totalmente, porque não posso nem receber um carnê na minha escola. Além de ela ter prejudicado o meu negócio, faz com que eu não consiga receber nada e isso vira uma cascata. Se eu não consigo receber, não vou conseguir pagar”.

Uma das alternativas já usadas pelo empresário foi a antecipação de férias e benefícios. Agora já não há mais possibilidade desses recursos.

“O reflexo disso a gente vai ver no começo de abril, quando começar a vir folha, FGTS e todos os impostos que eram devidos. Acho que muita gente vai quebrar e fechar. Muita empresa grande, antiga. Porque os governos acham que temos fluxo de caixa, mas já não temos mais. Esse fluxo começou a ser queimado em março do ano passado”.

Outra fonte de crítica deste e de outros empresários é o fato de Divinópolis ter tido duas versões da Onda Roxa: a antecipada pelo Município por meio de um decreto e a segunda, estadual.

“A de Divinópolis é bem mais restrita do que a do Estado. E o pior: agora é o Estado que detém a posse, porque prorrogou por mais 15 dias. A nossa Onda Roxa acabava neste sábado, dia 27. Agora temos de seguir a do Estado. A gente fica de pés e mãos atados”.

Para Neto, o lockdown (fechamento completo dos serviços não essenciais) não é a melhor estratégia porque não gera o melhor resultado.

“O melhor seria uma fiscalização intensiva da Prefeitura e outros órgãos responsáveis em cima daquelas pessoas que realmente mudam o trajeto do vírus e o fazem andar mais rápido indo a festas clandestinas e frequentando bares lotados”.

Fazer o que puder

Diante de todos os problemas listados por esses empresários, o gerente regional do Sebrae Minas, Leonardo Mól, diz que a nova realidade demanda manobras financeiras e aposta no digital.

“É preciso fazer uma boa gestão de caixa e alongar ainda mais as dívidas para tentar ter um fôlego para a manutenção das atividades. Renegociar crédito, buscar alternativas, de outros créditos com custos mais baratos”, ensina. 

Leonardo Mól orienta a reforçar a gestão do dinheiro que ainda há (Foto: Sebrae/MG)

Com as contas minimamente controladas, o próximo passo é apostar no digital para vender e construir novos canais de relacionamento com os clientes.

“Esse novo normal vai impactar no modelo de negócio. É importante pensar no modelo, na estratégia e reformatar a parte da perspectiva do cliente”.

Apostar no digital é exatamente o que faz Sara Barros, dona de uma loja de moda masculina. Após um ano de 2020 que ela classifica como sacrificante, a necessidade de reinventar um modelo de negócio consolidado no atendimento presencial falou mais alto.

“A gente precisa se reinventar e fazer a busca dos clientes um a um. Temos um grande cadastro de clientes fieis ao longo desses anos. Estamos telefonando e enviando mensagem pela internet a cada um deles. Queremos saber como eles estão, quais são suas necessidades e como podemos ser úteis neste momento. Isso porque até mesmo as necessidades de vestir mudaram”, comenta.

Além dos contatos virtuais, a empresa aposta em mídias sociais como Facebook e Instagram para promover produtos e ofertas exclusivas.

“O digital tem uma força muito grande. Nossa loja foi pioneira em fazer live de vendas em Divinópolis. Por meio delas nós vendemos com preços diferenciados. Tem sido um sucesso. Tivemos uma adesão de cerca de 80% do nosso público-alvo. É um bem alto e ficamos satisfeitos”.

Para a empresária, a saudade de ver a loja cheia de gente não pode ofuscar a possibilidade de ter as negociações a todo vapor.

“Entendemos que estamos indo no fluxo em que é possível ir. A gente não tem um movimento como antes, nem como gostaria de ter. Mas, temos muita disposição e vontade de fazer diferente, como é preciso ser feito agora. Acho que o grande desafio é esse: entender como o cliente está se comportando neste momento, qual é a real necessidade dele e atendê-la dentro do que nos é possível”, finaliza.