(Foto: Divulgação/UEMG)

Diego Henrique 

Já imaginou ser intimado na presença do juiz para jurar pela sua alma?  Era isso que os devedores de Pitangui eram obrigados a fazer. A prática datada entre os séculos XVIII e XIX foi o que manteve a ordem no comércio da região. O poder da palavra era o que prevalecia na decisão do julgamento. Tudo isso está registrado em documentos como, inventários, testamentos, ações de créditos, que fazem parte do Acervo Histórico de Pitangui.

(Foto: Divulgação/UEMG)

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Como não existia o Serviço de Proteção ao Consumidor (SPC) o devedor era posto perante os livros do Evangelho e caso jurasse e não pagasse a sua conta, além da fama de mal pagador e restrições, o cidadão estaria sendo punido pelas Leis da própria sociedade, perdendo o seu crédito, além de viver com o peso da culpa imposto pela igreja que pregava a verdade acima de tudo. Um juramento em vão poderia por em risco a sua alma, tendo como condenação o inferno.

Essa história está registrada no artigo assinado pelos estudantes de história da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg), unidade Divinópolis, Charles Aquino e Nayara Aparecida de Moura. Os dois fazem parte do Centro de Memória Batistina Corgozinho que iniciou entre 2004 e 2005 a restauração do acervo de Pitangui. Professores e voluntários também atuam neste trabalho.

Na época, segundo o artigo, o município ainda era conhecido como Vila de Nossa Senhora da Piedade de Pitangui e contrair uma dívida significava muito mais do que um simples compromisso financeiro. O nome da pessoa e da família à qual ela pertencia estava estritamente ligado ao crédito perante a sociedade. Esses créditos passaram a ser praticados com maior frequência, uma vez em que não existia moeda para as operações comerciais.

Ao fechar um negócio, era dada a palavra, sem assinatura de documentos que provassem a negociação, o ato era chamado de “fio de barba”. Quando uma das partes não cumpria o acordo e a outra ficava com o prejuízo, a justiça era acionada e quem quebrava o acordo era levado para jurar pela própria alma.

(Foto: Reprodução)

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Apesar da intimação, muitos juravam em vão por não acreditarem na consequência pregada pela igreja: o inferno. Foi ai que a igreja voltou atrás e no final do século XVIII houve um esclarecimento sobre o falso juramento.

Para a Igreja, existiam dois tipos de pecado: o pecado mortal que condenaria a alma ao inferno, e o pecado venial, que apenas enfraquece a graça. O juramento em falso foi classificado como um pecado venial. Mesmo a pessoa cometendo o crime de perjúrio, ela não estaria perdendo a alma e sim enfraquecendo a graça. Com algumas penitências espirituais, a confissão do pecado e o pagamento de uma pena à Igreja, o cidadão estaria livre do pecado da dívida e da perdição de sua alma.

Acervo Histórico de Pitangui

(Foto: Divulgação/UEMG)

(Foto: Divulgação/UEMG)

O Centro de Memória Batistina Corgozinho está entre os finalistas que concorrem ao Prêmio Rodrigues Melo Franco de Andrade que é a maior premiação com vistas à promoção e preservação do Patrimônio Cultural de todo o país. Entre os 220 projetos inscritos neste ano, 60 propostas de 22 estados brasileiros e Distrito Federal serão analisados pela Comissão Nacional de Avaliação.

A etapa final será nos dias 27 e 28 de julho, quando a Comissão Nacional se reunirá na sede do Iphan, em Brasília (DF), para definir os oito vencedores que serão contemplados com R$ 30 mil. O dinheiro será dado como estímulo e forma de reconhecimento às iniciativas de preservação, salvaguarda e gestão compartilhada do Patrimônio Cultural. 

“Pitangui é a mãe de todos os municípios da região Centro-Oeste e estarmos entre os finalistas, nos permite divulgar o arquivo que contém parte da história da sétima cidade de Minas Gerais. Estamos na torcida para que o nosso projeto seja um dos vencedores. O prêmio em dinheiro será doado para a reestruturação do local onde o arquivo está guardado,” disse  Charles Aquino historiador.