O Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) denunciou, nessa quinta-feira (13), o ex-prefeito de Divinópolis Demetrius Arantes Pereira (Gestão 2005-2008), o ex-secretário municipal de serviços urbanos Lúcio Antônio Espíndola de Sena e mais quatro pessoas por associação criminosa e fraudes relacionadas às obras de saneamento custeadas com recursos federais do PAC Saneamento para Todos.
Também foram denunciados os servidores municipais Cleber Aguiar Evangelista e João Evangelista Prado, engenheiros responsáveis por fiscalizar as obras; e os empresários José Henrique Kury de Oliveira Coelho e Gustavo Parreiras Canaverde, responsáveis técnicos pela construtora Sabre Engenharia – atualmente Atitude Engenharia Ltda. Além do crime de associação criminosa, Demetrius, Lúcio, Cléber e João, além dos dois empresários, também são acusados pelos crimes previstos no art. 92 e no art. 96 da Lei 8.666/93 (Lei das Licitações).
O art. 92 define como criminoso o ato de admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o poder público, sem autorização em lei e no respectivo instrumento contratual. Já o art. 96 define como crime fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente, tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato.
Apesar das obras do PAC Saneamento terem iniciado em 2006, a denúncia do MPF abrange as irregularidades identificadas a partir do aditivo nº 03/2008 do contrato nº 26/2006, firmado em 19 de maio de 2008, quando as obras passaram a ser custeadas com verbas federais, repassadas pela Caixa Econômica Federal com recursos do FGTS.
As irregularidades praticadas antes dessa data foram objeto de investigação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), que ofereceu denúncia, além de uma ação civil de improbidade administrativa, contra outros cinco acusados. Os processos correm na Justiça Estadual de Divinópolis.
PAC Saneamento – O projeto de saneamento idealizado pelo município de Divinópolis pretendia levar saneamento básico, pavimentação e drenagem pluvial a diversos bairros da cidade e era previsto para ficar pronto em 48 meses, ao custo máximo de R$ 39 milhões, segundo o próprio município. Após uma licitação – vencida pelo consórcio Conserva/Libe -, foi celebrado o contrato nº 26/2006 com o município, que autorizou o início das obras em 8 de maio de 2006.
O contrato foi objeto de vários aditamentos, que provocaram inúmeras alterações quantitativas de itens da planilha original, além de redução significativa dos serviços de saneamento a serem prestados. O resultado disso: atrasos e várias paralisações, até que em fevereiro de 2014 a empreiteira paralisou totalmente as obras por ausência de capacidade financeira e técnica.
Irregularidades – A Controladoria Geral da União (CGU), diante da suspeita de irregularidades, realizou vistoria in loco, em 2012, na qual constatou a ocorrência de 18 pontos suspeitos, entre elas a cobrança indevida de CPMF mesmo após a sua extinção, o que gerou um pagamento indevido de R$ 68.689,66, entre os anos de 2008 e 2011; sobrepreço da planilha orçamentária aprovada pela Caixa e no pagamento de itens maiores do que os constantes da tabela do Sinapi (Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil), no valor total de R$ 442.567,17; além de pagamentos de materiais na obra sem previsão no edital e serviços de pavimentação de baixa qualidade.
Ao firmar o convênio com a Caixa, foram feitas várias alterações, que, segundo a legislação, exigiriam, no mínimo, uma nova licitação. Para se ter ideia do tamanho das alterações, foram incluídos 16 novos bairros que não estavam no projeto inicial para receber obras de saneamento e infraestrutura urbana, além de alterações nos valores de vários itens como a canalização de córregos, que passou de R$ 128.984,46 para R$ 29.486.511,56.
Associação criminosa – Segundo a denúncia do MPF, Lúcio Espíndola era o mentor intelectual e articulador do esquema criminoso, que, com o então prefeito Demetrius Pereira, batalhou pela obtenção de recursos federais na ordem de R$ 46 milhões. Depois de obter o recurso, o ex-secretário trabalhou para que o contrato fosse cedido integralmente para a empresa de seus amigos, os empresários João de Oliveira Coelho e Gustavo Canaverde. Após a Sabre Engenharia Ltda receber o contrato, atuando com controle hierárquico e pessoal sobre os fiscais municipais e possuindo autorização para ordenar pagamentos, o acusado atuou para beneficiar a empreiteira.
“Lúcio Espíndola atuou pessoalmente para que o Contrato nº 27/2006 fosse sendo aditivado ao seu bel prazer, sem que efetiva fiscalização fosse exercida pelos denunciados Cléber Aguiar e João Evangelista e sem que nenhum outro servidor público municipal pudesse descobrir ou mesmo atrapalhar a consumação delitiva”, diz a denúncia.
Para ter total controle da obra, o ex-prefeito Demetrius, a pedido de Lúcio Espíndola, instituiu a Unidade de Gerenciamento de Projetos (UGP), denominada Usina de Projetos, na qual geria o trabalho e tinha poder para ordenar as despesas. Para auxiliá-lo, o ex-secretário levou para a UGP os engenheiros municipais Cléber Evangelista e João Prado. Cléber foi responsável pela assinatura de vários boletins de medição da obra e serviços, notas de empenho que autorizavam o pagamento a Sabre Engenharia, e também participou da elaboração das justificativas que embasaram a assinatura de vários termos aditivos ilegais.
Já o engenheiro João Prado, que detinha amplo conhecimento sobre as redes de esgoto da cidade, também fiscalizava a obra e atestou o recebimento de vários serviços realizados pela empresa. Ele ainda permitiu que fosse feito o ressarcimento da cobrança ilegal da CPMF no período que já estava extinta, bem como a realização de pagamentos de itens com sobrepreço e por materiais depositados no canteiro de obras que não estavam previstos no edital.
Já os empresários eram os responsáveis técnicos pela empresa e se revezaram na prática dos atos de gestão eram orientados por Lúcio Espíndola. Executaram as obras, realizaram boletins de medição e emitiram notas fiscais, se beneficiando de todas as prorrogações e alterações feitas na execução do PAC Saneamento. E tudo isso mesmo a empresa não atendendo às condições exigidas no edital para tocar as obras, que exigia a comprovação de capital social integralizado de, no mínimo, R$ 3.945.600,00 – quando seu capital era de apenas R$ 2.700.000,00, menos de 10% do valor da obra, como apurado pela CGU.
A mudança do consórcio Conserva/Libe para a Sabre Engenharia Ltda, feita no termo aditivo 02/2008, burlou o art. 50 da Lei 8.666/93, que diz a Administração não poderá celebrar o contrato com preterição da ordem de classificação das propostas ou com terceiros estranhos ao procedimento licitatório, sob pena de nulidade. Essa ilegalidade já foi denunciada na ação penal proposta pelo MPMG.
Arquivamentos – Do inquérito conduzido pela Polícia Federal que resultou no indiciamento 17 investigados, entre eles os seis acusados desta denúncia, o MPF requereu o arquivamento da investigação sobre 11 pessoas. Duas delas, Gilber Alves Bernardo e Kelsen Ricardo Rios Lima, já respondem à ação penal proposta pelo MPMG pelos delitos previstos na Lei 8.666/93. Em relação aos demais, inclusive o ex-prefeito Vladimir de Faria Azevedo (Gestão 2009-2016), o MPF entendeu que não houve provas suficientes de conluio ou não seria possível responsabilizar esses investigados.