O Ministério Público Federal (MPF) em Divinópolis denunciou sete pessoas, cinco delas de uma mesma família, por crimes de contrabando, fraude a licitações, falsificação de documentos, falsidade ideológica, associação criminosa e, ainda, crime contra as relações de consumo, todos eles praticados no âmbito de um esquema de comercialização de suprimentos de informática falsificados.
Os fatos foram desvendados a partir de notícia-crime efetuada pela Hewlett-Packard Companhy (HP), fabricante americana de equipamentos e suprimentos de informática, segundo a qual algumas empresas brasileiras estariam comercializando produtos irregulares, com a marca HP, em licitações realizadas por órgãos públicos de todo o país.
Iniciada a investigação, foi descoberto um esquema que envolvia, em síntese, o contrabando e comercialização de suprimentos de informática falsificados, em especial cartuchos de toner para impressoras, assim como a criação de sucessivas empresas e falsificação de documentos públicos e particulares para participação em licitações.
Entre os órgãos públicos lesados pelo grupo estão universidades federais (UFRJ, UFCE, UFAL, UFMT), IPEA, INPI/RJ, Fundação Oswaldo Cruz, Receita Federal, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério das Relações Exteriores, Exército Brasileiro, Tribunal Regional Federal da 2ª Região e até o Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com a denúncia, o grupo criminoso adquiria os produtos no exterior e, em seguida, participava de licitações realizadas por órgãos públicos em diversos pontos do território nacional, nas quais sagrava-se vencedor justamente porque os produtos falsificados lhe possibilitava oferecer preços menores do que os dos concorrentes.
“Além de vencer os certames, os acusados cuidavam de assegurar irregularmente a habilitação de suas empresas, por meio de documentos falsos, como atestados de capacidade técnica ideologicamente falsificados, emitidos reciprocamente entre as próprias empresas do grupo, e até mesmo certidões negativas de débitos tributários também falsificadas”, relata o MPF.
Estima-se que as ações criminosas estenderam-se por mais de dez anos, ao longo dos quais o grupo permaneceu coeso e empenhado no cometimento das fraudes, que remontam no mínimo ao ano de 2003 e foram praticadas pelo menos até junho de 2013, ocasião do cumprimento de mandados de busca e apreensão expedidos pela Justiça Federal de Divinópolis.
Sucessivas empresas
As empresas inicialmente investigadas foram a D’Ponte Distribuidora Ltda, a E-Click Soluções em Informática Ltda e a Suprimais Comércio de Suprimentos, todas elas situadas em endereços próximos, na cidade de Itaúna, compartilhando funcionários e dedicando-se ao mesmo ramo de atividade.
Logo após o cumprimento dos mandados, ocorrido em 21/06/2013, as três empresas – E-Click, D’Ponte e Suprimais – foram abandonadas. No mês seguinte, policiais voltaram às sedes das empresas e os imóveis já se encontravam fechados, sem letreiros ou placas, nem ocupantes.
No decorrer das apurações, descobriu-se que tal fato consistia no próprio modus operandi do grupo, que criava e fechava empresas sempre que necessário, de modo a permitir a continuidade de suas atividades, sem despertar suspeitas nos órgãos licitantes. Ou seja, quando as fraudes eram descobertas e punidas pelos órgãos públicos lesados, inclusive com o impedimento para participar de novos certames, os acusados criavam outras pessoas jurídicas, quase sempre em nome de terceiros, para continuar praticando as mesmas atividades.
Com isso, foi descoberta a existência anterior de outras pessoas jurídicas pertencentes ao grupo, como a Worldtech Comércio e a Service; a Optimiza Comércio de Informática; a Comercial de Informática Victor Hugo; a Orldtech Comércio e Service Informática e a Gigaprint, todas elas já extintas e sucedidas por outras.
Fraude contra o consumidor
Para fazer prova da falsidade dos insumos comercializados pelas empresas, foi realizada perícia no material apreendido, quando se constatou que as caixas de toner apreendidas (embalagens), quando submetidas à luz ultravioleta, apresentavam coloração diversa das embalagens-padrão remetidas pela HP. Os selos holográficos apostos em tais caixas também não possuíam as características de segurança existentes nos originais, tratando-se, portanto, de material falso, mas com potencial para iludir até mesmo profissionais do ramo.
Durante a busca e apreensão, os agentes encontraram na Suprimais uma folha contendo 11 etiquetas da empresa Hewlett Packard Brasil Ltda, além de uma cartela contendo 17 selos com a identificação da HP dentro de um cofre.
Chamada a aferir a autenticidade do material, a fabricante americana informou que “selos holográficos originais não são dispostos em ‘cartelas’ e seu uso e manuseio são de uso exclusivo da linha de produção”.
Os cartuchos de toner apreendidos também foram remetidos à Receita Federal, que atestou sua procedência estrangeira, indicando tratar-se de contrabando, pois a importação de produtos falsificados constitui o crime previsto no artigo 334, § 1º, do Código Penal.
Ou seja, além de manter em depósito, no exercício de atividade comercial, produtos importados e ilegais, os acusados ainda lesavam os inúmeros compradores dos produtos, pois os cartuchos de toner eram comercializados como se fossem originais e provenientes da HP, quando, na realidade, não o eram.
Por isso, outro crime apontado na denúncia diz respeito à fraude contra o consumidor, já que, enquanto a E-Click e a D’Ponte eram empresas de fachada, constituídas apenas formalmente para atuar nas licitações via internet, a Suprimais mantinha um site para comercializar os produtos (“bomdmais.com.br”), além de um estabelecimento real, com letreiro em sua fachada e aberto ao público, onde comercializava cartuchos recondicionados como se fossem originais.
Os acusados
O líder e principal articulador do grupo é o denunciado Evandro Pereira da Silva, conhecido pelo apelido de “Primo”. Mesmo sem figurar formalmente no contrato social das empresas, ele era seu real proprietário e administrador, conforme relataram diversas testemunhas. Evandro também possuía procurações outorgadas pelos “sócios” e subscrevia inúmeros documentos em nome das empresas, além de distribuir tarefas e orientar os demais membros da quadrilha acerca dos procedimentos.
Em nível hierárquico imediatamente inferior estava sua filha, Talita Diniz Silva Chamone, que possuía grande experiência nas licitações, participava das fraudes documentais e orientava a ação dos demais comparsas, além de ter figurado no contrato social de algumas das pessoas jurídicas.
O irmão de Evandro, Fernando Pereira da Silva, e seu primo Glauco Moreira Silva, também sócios de algumas das empresas do esquema, ficavam na sede da Suprimais [onde eram mantidos em depósito os materiais ilícitos], participavam das fraudes licitatórias e executavam as falsidades documentais.
Por fim, José Francisco da Silva e Agnaldo Adriano Gonçalves eram empregados de Evandro, para quem exerciam a função de licitadores, sendo remunerados por comissões e tendo também envolvimento nas fraudes licitatórias e execução das falsidades documentais.
José Francisco foi denunciado também pelo crime de fraude processual. É que, durante a vistoria ao imóvel onde funcionava a E-Click, os policiais federais foram recebidos por ele, que estava trabalhando no único computador existente no local. Ao ser abordado, José Francisco rapidamente retirou um pen drive que estava conectado à máquina, escondendo-o furtivamente em seu bolso. O mesmo ocorreu com Evandro Pereira da Silva que, após tentar ludibriar os policiais alegando que seria impossível a abertura do cofre, ocultou uma pasta repleta de documentos, colocando-a embaixo de uma geladeira.
Alertados por testemunhas que acompanhavam as diligências, os policiais conseguiram apreender tanto o pen drive quanto a pasta. Posteriormente, constatou-se que ambos continham provas de suma importância para a investigação: no pen drive, havia inúmeros arquivos atestando a participação das empresas nas licitações, e, na pasta, diversos documentos comprovavam as relações entre os acusados, as movimentações bancárias e a aquisição de imóveis.
A sétima denunciada foi Conceição Aparecida Rodrigues de Assunção, companheira de Evandro Pereira, contra quem pesa a acusação de ter cedido seu nome indevidamente para figurar no contrato social da E-Click, mesmo não sendo realmente sócia e não exercendo nenhuma atividade nessa empresa.
Falsificações
Para viabilizar a participação das empresas de fachada nos procedimentos de licitação, os acusados falsificavam documentos de apresentação obrigatória ou exigidos pelo respectivo edital, tais como certidões negativas de débitos e atestados de capacidade técnica.
Por exemplo, a partir do pen drive apreendido com José Francisco, constatou-se a falsificação, por meio de montagem, de certidão negativa de débitos tributários (CNDT) e de documentos auxiliares de nota fiscal eletrônica (DANFE).
No caso da CND, o documento originalmente emitido pela Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais em 13/11/2012, com validade até 11/02/2013, para a empresa Suprimais, foi utilizado para produzir uma nova certidão, com as mesmas datas de emissão e validade, e também com idêntico código de controle, para outra empresa do grupo, a E-Click.
Já quanto à DANFE, peças falsas também foram elaboradas a partir de um documento verdadeiro, relativo à compra de 102 carcaças de toner vazias pela Worldtech: com base nele, os acusados elaboraram outros documentos, com informações alteradas e a mesma chave de acesso.
Também se descobriu que os acusados produziram diversos outros documentos ideologicamente falsos, atestando falsamente que as empresas envolvidas no esquema vendiam produtos umas às outras (notadamente cartuchos de toner da marca HP, em grandes quantidades), de modo a fazer prova de capacidade técnica junto aos órgãos públicos e assegurar participação nas licitações.
Confira abaixo os crimes imputados a cada denunciado:
- Evandro Pereira da Silva
Associação Criminosa (CP, art. 288): Pena de 4 a 8 anos
Contrabando (CP, art. 334, § 1º): Pena de 2 a 5 anos
Fraude a licitação (art. 96, II da Lei nº 8.666/93): Pena de 3 a 6 anos
Crime contra as relações de consumo (art. 7º, VII da Lei nº 8.137/91): Pena de 2 a 5 anos
Falsificação de documento público (CP, art. 297): Pena de 2 a 6 anos
Falsificação de documentos particulares (CP, art. 298): Pena de 1 a 5 anos
Falsidade ideológica em documento particular (CP, art. 299); Pena de 1 a 3 anos
Fraude Processual (CP, art. 347, parágrafo único): 3 meses a 2 anos
Posse de uso de munição de uso permitido (art. 12 da Lei 10.826/2003): Pena de 1 a 3 anos
- Talita Raguel Diniz Silva Chamone
Associação Criminosa; Contrabando; Fraude a licitação; Crime contra as relações de consumo; Falsificação de documento público; Falsificação de documentos particulares; Falsidade ideológica em documento particular
- Fernando Pereira da Silva
Associação Criminosa; Contrabando; Fraude a licitação; Crime contra as relações de consumo; Falsidade ideológica em documento particular
- Glauco Moreira Silva
Associação Criminosa; Contrabando; Fraude a licitação; Crime contra as relações de consumo; Falsidade ideológica em documento particular
- José Francisco da Silva
Associação Criminosa; Contrabando; Fraude a licitação; Crime contra as relações de consumo; Falsificação de documento público; Falsificação de documentos particulares;
Falsidade ideológica em documento particular; Fraude Processual
- Agnaldo Adriano Gonçalves
Associação Criminosa; Contrabando; Fraude a licitação; Crime contra as relações de consumo; Falsidade ideológica em documento particular
- Conceição Aparecida Rodrigues de Assunção
Falsidade ideológica em documento particular