
Fechamento do EJA na Escola João Severino de Oliveira, em Divinópolis, revolta alunos que enfrentam desafios para continuar seus estudos e manter o sonho da educação
A dor de quem teve o sonho arrancado é difícil de descrever, mas Selma Maria Raimundo, de 53 anos, expressou em palavras o que sentiu ao saber do Fechamento do EJA (Educação de Jovens e Adultos) da Escola João Severino de Oliveira, em Divinópolis, será encerrado.
“Fiquei arrasada. Foi um choque. Não só para mim, mas para todos os alunos. Eu não sei ler, não sei escrever. Tudo que preciso fazer, tenho que usar o dedo [impressão digital]. E agora, tiram essa oportunidade que esperei por tantos anos”, desabafou Selma
A cozinheira, que mora no bairro Santos Dumont, viu seu sonho de estudar mais perto de casa desmoronar. “A gente batalha tanto para ter uma chance, e quando ela aparece, vem alguém e tira. Eu cheguei até aqui porque queria mudar minha história. Agora, como vou estudar se o lugar mais acessível foi fechado?”
Selma e os outros alunos serão remanejados para escola CETEPE, no bairro São Sebatião, cerca de 8km de distancia da atual escola
A vida de Selma nunca foi fácil. Ainda criança, veio do Espírito Santo para Minas Gerais, mas nunca pôde frequentar a escola.
“Meu patrão falou com meu pai que não era para me colocar na escola. O trabalho vinha primeiro. Fui crescendo sem aprender a ler, sem saber assinar meu nome. Só que agora eu quero. Quero muito. E me tiram essa chance”, lamentou.
Obstáculos
O fechamento da unidade do EJA impõe um obstáculo quase intransponível. A nova escola sugerida pela prefeitura, além de estar distante, não se adequa à realidade de muitos alunos.
Isso porque muitos deles enfrentam rotinas cansativas, trabalhando durante o dia e, consequentemente, têm dificuldades para se deslocar até o novo local.
Dessa forma, a mudança representa um desafio considerável para quem depende do acesso mais próximo para continuar os estudos.
“Eu sou cozinheira, saio tarde do restaurante. Até chegar em casa, tomar um banho e correr para a escola, já estou exausta. No João Severino, eu conseguia. Agora querem me mandar para um lugar que eu nem conheço. Como faço?”
A revolta e a tristeza caminham juntas, mas Selma mantém a esperança de ter um deireito que foi negado a vida toda
“Eu não estou pedindo muito. Só quero aprender a assinar meu nome. Quero olhar para um ônibus e saber qual pegar, sem precisar perguntar. Só isso. Um direito que me foi negado a vida toda”, afirmou.
Pedido ao Prefeito
Selma, emocionada, fez um apelo direto ao prefeito Gleidson Azevedo (NOVO), no qual pediu para não tirar seu sonho, nem o de nenhuma outra pessoa.
“Prefeito, por favor, não tira o meu sonho. Não tira o sonho de ninguém. A pior coisa que existe é depender dos outros para tudo. Eu quero ser independente. Quero aprender. Sei que muita gente também quer. A escola era nossa chance. Então, por favor, nos ajude.”
O fechamento do EJA na Escola João Severino de Oliveira representa muito mais do que o fim de um curso.
Outro caso
Mas Selma não está sozinha nessa luta. Heitor, de 62 anos, também enfrenta o mesmo dilema. Ele começou a estudar há apenas dois anos e agora vê seu sonho ameaçado.
“Eu nunca tinha ido à escola. Quando comecei no EJA, foi como se um mundo novo se abrisse para mim. Hoje, sei escrever meu nome, e isso ninguém tira de mim. Mas querem tirar a escola”, lamentou.
Morador do bairro Paraíso, ele destacou as dificuldades impostas pelo fechamento da unidade.
“Eu trabalho na construção civil, entro às 7h e saio às 17h. Chego em casa, tomo um banho correndo e vou para a escola. No João Severino, gasto sete, no máximo dez minutos para chegar. Agora, querem nos mandar para um lugar a quase 8 quilômetros de distância! Como vou sair da escola às 21h15 e ainda ter que enfrentar esse trajeto?”
Heitor também falou sobre a emoção de aprender a ler, como um caso quando foi na Biblioteca Publica Ataliba Lago
“Fui na Biblioteca Ataliba Lago e assinei meu nome pela primeira vez. Um tempo depois, voltei lá e consegui ler meu nome em um sorteio. Foi uma vitória. Hoje, sei ler um pouco, mas quero aprender mais. Não quero faculdade, só o básico: ler, escrever e ter o direito de estudar perto de casa”, afirmou.
O fechamento do EJA na Escola João Severino de Oliveira não significa apenas a interrupção de um curso, mas a destruição de sonhos construídos com esforço e dedicação.
Para Selma, Heitor e tantos outros, essa luta não é apenas por educação, mas por dignidade, um sonho construído com muita esperança.
Prefeitura de Divinópolis
A Prefeitura de Divinópolis, por meio da Secretaria Municipal de Educação (SEMED), informou que, a partir de 2025, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) será oferecida exclusivamente no Centro Técnico Pedagógico (CETEPE).
Segundo a administração municipal, essa decisão foi tomada após diversas tentativas de manter a modalidade na Escola João Severino de Azevedo. No entanto, diante das dificuldades, optou-se por concentrar o atendimento em um único polo.
Desse modo, o atendimento acontecerá em uma unidade estrategicamente localizada próxima à rodoviária. Assim, a mudança facilitará o acesso dos estudantes de diferentes regiões da cidade.
Além disso, a SEMED explicou que, desde 2023, monitorava as matrículas e a frequência dos alunos na unidade. O levantamento indicou uma baixa adesão, pois o número de estudantes regularmente frequentando as aulas era reduzido.
Para se ter uma ideia, em 2024, apenas 26 alunos estavam matriculados, sendo que menos da metade comparecia regularmente. Apesar dos esforços para aumentar as inscrições, o número de matrículas não foi suficiente para manter o atendimento viável.
Por fim, a prefeitura garantiu que todos os alunos terão vagas no CETEPE e, para minimizar impactos, contarão com transporte gratuito por meio do cartão Divpass.