A estação do trem, mesmo pequenina, era o coração daquela cidade. Todos passavam por lá, mesmo que fosse para apreciar o movimento de chegada e de partida dos passageiros.

 

rodrigo (1)

Ali tudo acontecia. O vai e vem de pessoas atraía a atenção de muita gente e aos poucos a cidade crescia em volta da estação. Era mesmo um lugar mágico onde até mesmo uma inocente troca de olhares terminava, com o tempo, em casamento.

Naquele tempo a estação ferroviária de fachada vistosa, telhado amplo e com grandes janelas e portas confeccionadas em madeira de lei era a principal ligação da cidadezinha com o mundo aqui fora. A sua estrada de ferro era uma artéria que se ligava a outras e levava de tudo para aquele lugar. De alimentos a remédios, roupas e até mesmo sonhos.

Juca era um dos principais frequentadores da estação. Menino de pés descalços ajudava em casa com as moedas que recebia por engraxar os sapatos dos elegantes senhores que frequentavam aquele lugar. Gente que vinha negociar gado ou café e com o seu dinheiro tocavam a vida daquela cidadezinha.

         – Rapazinho, tome cuidado! Estás me borrando toda a meia com essa graxa! – esbravejou o senhor de bigode grosso e terno escuro e que tinha os sapatos engraxados por Juca.

Entusiasmado, o menino nem deu muita atenção à repreensão daquele negociante. Mas com intimidade revelava os seus anseios àquele senhor:

         – Já decidi: vou ser maquinista! Quero estar um dia aqui e um dia ali. E se Deus quiser, ainda haverei de levar minha locomotiva até o porto e verei o mar. Dizem que lá tem peixe que come gente e é maior do que a casa do Barão.

O negociante desenrugou a testa e ao ouvir o menino, passou a se divertir com as histórias que contava. Juca nunca se atreveu a sair daquela cidade. E tudo o que sabia do mundo era o que ouvia, curioso, na estação ferroviária. Afinal, não durou muito na escola e sem livros conhecia as coisas pela boca dos outros.

         – Menino tu és jovens e tens uma vida toda pela frente. Mas não se consegue nada só sonhando. Explicou-lhe o negociante.

– Eu não sonho apenas, meu senhor, também rezo e junto minhas moedas. Um dia vou ter o suficiente para aprender a guiar aquela locomotiva e aí consigo o mundo no meu reboque.

O negociante acostumado a tratar com todo tipo de gente, admirou-se com a firmeza do menino. Resolveu que todas as vezes que estivesse naquela cidade, engraxaria os sapatos com Juca e lhe daria uma gorjeta maior: não que o serviço dele fosse o melhor, mas simplesmente porque queria que mundo daquele garoto fosse realmente do tamanho do seu pensamento.

Juca, por algum tempo, continuou ouvindo e contando história. Até que cresceu e fez a sua. Hoje contam a história do menino que virou maquinista e que cruza a serra a caminho do mar.

Para ele, valeu apena sonhar. Foi o começo de tudo.