Rodrigo Dias
Carolina é uma daquelas meninas sapecas, que da altura dos seus oito anos de idade gosta de pregar peças na gente. Carolina é negra, de olhar terno, e gosta de conversar. E você não acredita, mas foi só a câmera ligar e a garotinha desandou a falar.
Ela falou do seu cabelo e da sua relação com ele. Como não podia ser diferente, Carolina acha seu cabelo lindo como os demais, e por entender que ele é seu, e a representa, a menina não é do tipo que fica calada quando um mais engraçadinho cisma, bestamente, em fazer piada com o seu cabelo e tampouco com a sua raça.
E não é que a fala dessa menininha de oito anos tem reverberado Brasil afora?! Na internet são algumas dezenas de milhares de visualizações do seu vídeo. Outras tantas pessoas o compartilharam, e número incalculável de curtidas referenciam a fala da garotinha.
Carolina, no melhor sentido da palavra, do dia pra noite se transformou numa pop star mirim. Dá entrevista pra TV e vários sites de notícias querem saber o que essa garotinha tem tanto a dizer. Onde tudo isso vai parar? Ninguém sabe dizer ao certo.
A menina Carolina é fruto de uma geração de pais, negros, que reconhecem suas raízes. Gente bem esclarecida que aprendeu a lidar com o preconceito nosso de cada dia. Do tipo que ouve e retruca com argumentos a pequenez daqueles que ainda se apoiam nesta muleta.
Tenho comigo que a Carolina faz tanto sucesso não porque seja engraçadinha, também no melhor sentido da palavra, ou porque é inteligente e bem articulada. Ela faz sucesso – a despeito de muitos negarem e contestarem, por exemplo, que a política de cota racial é um engodo – porque o preconceito racial é uma realidade no Brasil.
Se fosse uma menina loira a falar do seu cabelo não seria tão estrondoso, mas uma negra valorizando sua beleza tem que ser destacado. É “anormal”, daí tem que ressoar. A atitude da Carolina, que é tão inspiradora com a divulgação em massa, com o viés que está tendo, só acentua o preconceito na medida em que a vemos diferente por reconhecer a beleza do seu cabelo que, diga-se de passagem, existe mesmo.
Poderia ser mais um vídeo entre os milhares que são postados na internet diariamente, mas o preconceito velado fez com que ele se destacasse. A Carolina sabe muito, mas ainda vai levar um tempinho para compreender o tamanho do nosso preconceito. Como toda criança sapeca ela se diverte com tudo isto.
É necessário que existam outras tantas Carolina e menos vídeos e tão pouca repercussão. Entendo que quando a balança estiver equilibrada nessa proporção, um passo significativo foi dado para se livrar dessa questão do preconceito. Até lá os exemplos de valorização da autoestima do negro devem ser perseguidos, principalmente para impactar quem ainda não tem consciência.
Participando de um grupo de discussão numa rede social ouvi uma expressão que me chamou a atenção. Tem negro que tem mania de vitimização, mania de perseguição. Parece que ainda não saiu da senzala.
É um argumento forte, sim, que se aliado à questão do preconceito só oprime, principalmente, o negro de baixa instrução independente da classe social que ocupa. Uma atitude proativa efetiva não é só cultivar as raízes deixadas pelos negros africanos. Mas, principalmente, se fazer valer pelo que você é e não se tornar diferente pela sua ancestralidade. Ela é, na verdade, um fator de soma com as outras culturas deixadas pelos outros povos. Honrá-la é se construir como uma pessoa melhor a cada dia, a despeito do preconceito.
Tá vendo como essa Carolina é danada? Na sua sapequice faz a gente pensar. Veja a Carolina e tire você suas conclusões.
Quer entrar em contato com nosso colunista?
Mande um e-mail para artigorodrigodias@gmail.com