Por Rodrigo Dias

Num dia cinza, chegou sisudo em casa. O rosto fechado expunha rugas de preocupação. Era tão marcante a sua face, que dela podia se sentir a dor de um dia pesado.

Tudo o que fazia demonstrava isso. Ao passar pelo portão o bateu. Gerou uma energia e um ruído que pode ser ouvido para mais de um quarteirão. Os passos eram fortes. Parecia abrir buracos no chão ao andar.

Chegou e se afundou na velha poltrona da sala. Jogou o corpo no nada. Caçava um colo. Ficou ali até a respiração abrandar, se recompor. Respirava e pensava.

Ali, sentado, se transferiu a outra dimensão. Corpo sem ele. Mudou o pensamento para nada. Sim, pensamento bom para ele era pensar em nada. Ficar ao acaso. Em transe.

Num outro cômodo da casa o filho brincava. Feliz com o seu universo de tampinhas e garrafas velhas. Com elas, era pássaro em alvorada: pura algazarra.

Falava sozinho. Punha para fora todo o seu sentimento. Brincava. Exercitava, dessa maneira, o sonho. A possibilidade de uma vida leve, sem complicações. Brincar talvez seja isso: treinamento para vida adulta.

Quanto mais leve a gente é, mais cor no cinza do dia há para por.

Passados uns minutinhos foi até a sala. Viu o pai lá, em transe. Chegou de mansinho. De canetinha colorida na mão fez do pai sua tela. No braço dele desenhou sol de carinha feliz.

Fez estrelas e um desenho que se assemelhava a uma família de mãos dadas. A cada desenho o pai parecia sorrir em sonho. Sentia leves cócegas proporcionadas pelo filho, que desenhava nele falando sozinho.

O pai acorda. Sisudo, vê o filho e o braço desenhado. Irrita-se, enche o pulmão de ar e arma a bronca. Inocente, o filho sorri e diz:

– Colori o senhor, papai. Gostou?

Desarmado, viu melhor os desenhos. O sol, ele, o filho e a mulher de mãos dadas. Aquele desenho colorido teve o poder de pintar o cinza do dia. Sorriu e sequestrou o filho num longo abraço.

Os problemas do dia não deixaram de existir. O que mudou foi que o pai colocou cada um deles no lugar devido. Não comprometeu o seu lar. Desafogou o peito e voltou a respirar.

Para o dia seguinte, ganhou um sol. Sempre que apertava olhava para os desenhos que o filho fizera e num instante percebia que existem pessoas e situações que fazem o dia valer a pena.

Assim, desenhou ele o seu dia.

Coloriu.