Gleidson Azevedo, Janete Aparecida e Alan Rodrigo são criticados por colegiado; MP e Prefeitura se manifestam
O prefeito, a vice-prefeita e o secretário de Saúde de Divinópolis são os alvos de uma notícia-crime apresentada ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pelo presidente do Conselho Municipal de Saúde (CMS), Warlon Carlos Elias. No texto assinado em 7 de abril e ao qual o PORTAL GERAIS teve acesso, o autor detalha o que considera como falhas de Gleidson Azevedo, Janete Aparecida e Alan Rodrigo no combate à pandemia. A reportagem ouviu também o MPMG e a Prefeitura (leia mais abaixo).
De acordo com Warlon, o conselho que ele preside, que é um órgão colegiado, constatou omissões e condutas administrativas do Executivo que infringem algumas leis.
“Este governo, como é de conhecimento de todos, desfraldou desde suas primeiras horas a bandeira negacionista da restrição mínima de atividades e serviços, inclusive na fatídica passagem de ano, mantendo desde então baixa mobilização de recursos humanos e materiais na fiscalização, que deveria ser incrementada na mesma proporção em que a ameaça pandêmica, mas que tem sofrido, de fato, investidas restritivas”.
Algumas dessas investidas, ressalta, feitas quando ainda nem sequer estava empossado o então recém-eleito chefe do Executivo, que em vídeos divulgados em redes sociais fez ataques à fiscalização que havia interditado um complexo comercial do município, assim sinalizando a política de restrição sanitária mínima, que, segundo o presidente do CMS, veio a perpetrar nas semanas e meses que se seguiram e que hoje cobram o preço que se vê nas filas de atendimento e no número de contaminados, doentes e mortos.
Warlon cita também a manutenção do Município na Onda Roxa do programa “Minas Consciente”, por meio do decreto 14.298/21.
“De modo flagrantemente incongruente com a sua própria regulamentação posterior em nota explicativa, o decreto adere e ao mesmo tempo descumpre o protocolo da Onda Roxa da Secretaria de Estado da Saúde. Peças urdidas com o mais legítimo ‘jeitinho brasileiro’, o decreto e sua regulamentação simulam acatar os ditames estaduais quando, de fato, escancaram flexibilizações de funcionamento de atividades e serviços estranhas à normatização estadual”.
A notícia-crime cita ainda o que o autor considera como “insegurança jurídica que decorre da ilogicidade — para não dizer do amadorismo de técnica legislativa — dessa jogada ensaiada para encobrir, de modo moralmente duvidoso, a decisão política do mandatário de contentar interesses de um grupo de apoiadores políticos que pedem portas abertas a qualquer custo humano”.
Ressalta o que avalia como incongruência da flexibilização de atividades e serviços com o momento epidemiológico.
“Dados coligidos pela própria Secretaria Municipal de Saúde e posteriormente divulgados à população por várias fontes não deixam dúvida quanto à caracterização do momento pandêmico como o pior já vivido pela cidade desde março de 2020, quando os primeiros casos de covid-19 foram registrados em território municipal. Assim, a taxa de incidência de casos novos da doença, que em 12 de março era de 16,8 a cada 100 mil pessoas, passou no último dia 1º de abril a 71,30, perfazendo aumento de 324%, com o registro, neste período, de 1.665 novas ocorrências a serem suportadas, quando se agravam, por um já colapsado sistema em que proliferam as filas de espera”.
A reclamação cita também a taxa média de ocupação de leitos hospitalares, afirmando que, em que pese a abertura de novos leitos rapidamente preenchidos, era no dia 12 de março de 71,7% e passou a 91% no último dia 4 de abril, com várias ocasiões em que se registrou percentual de mais de 300% de ocupação na UPA Padre Roberto. Como reflexo dessa situação, a curva de óbitos passou de 170 em 12 de março para 221 no dia 1º de abril, com aumento de 30% em praticamente duas semanas.
“É neste contexto, sombrio o suficiente para dispensar adjetivações, que o chefe do Executivo, afrontando determinação emanada do Governo do Estado, que prorrogou a Onda Roxa para o município até 11 de abril. É neste contexto, repita-se, contra todas as indicações epidemiológicas em contrário, que o prefeito propôs e realizou sua ‘flexibilização’ e a anunciou em ato público feito na rua tendo apoiadores políticos por plateia, conforme vídeo que circulou em redes sociais”.
Esvaziamentos
A notícia-crime feita ao MPMG afirma que o CMS constatou, nos três primeiros meses da atual gestão, o esvaziamento sistemático de instâncias de decisão colegiadas que deveriam participar da elaboração e da implementação da política municipal de saúde pública. Situação que, afirma, pode ser verificada no progressivo esvaziamento do Comitê Municipal de Enfrentamento da Pandemia, de cujas deliberações, apesar de insistentes pedidos da mídia (que se queixa de não receber respostas de pedidos de informação), o Executivo não dá a devida publicidade, de modo a permitir que a sociedade possa acompanhar a dinâmica e o resultado dos trabalhos.
“Enquanto se adensa a ‘cortina de fumaça’ sobre o referido comitê, seu colegiado, como documentado em atas, perdeu vários de seus membros — em sua maioria, técnicos — desde que foi constituído, há três meses, em clara demonstração da dificuldade de diálogo verificada sempre que o chefe do Executivo não obtém apoio incondicional para suas práticas”.
Warlon diz ainda que, por mais de uma ocasião, o governo municipal desrespeitou o CMS. Relata que houve, inclusive, momentos de ânimos acirrados por parte do prefeito. Atos que, garante, prejudicam o diálogo e o bom desempenho do papel do conselho.
“Não fosse o bastante, verificaram-se ainda situações em que dados relacionados à epidemiologia da covid-19 no município não foram prestados com a rapidez e a amplitude que este conselho julga adequadas à efetivação de seu trabalho e à garantia da fiscalização do atendimento à saúde da população. Algumas respostas a pedidos de informação tardaram, enquanto outras vieram apenas parcialmente satisfeitas, como já amplamente discutido no Conselho, o que, em última instância, obstaculiza seu bom funcionamento”.
Tratamento precoce
A oferta do chamado “kit-covid”, que não tem qualquer eficácia comprovada cientificamente, também é citada na denúncia feita ao MPMG.
“Por pertinente e relevante, cumpre ainda mencionar a gravíssima situação que existe hoje em torno do propalado tratamento precoce da covid-19 no município, feito por meio da administração aos pacientes, por prescrição de médicos do sistema municipal de saúde, de medicamentos como Cloroquina, Hidroxicloroquina, Ivermectina e outros que compõem o que a mídia nacional popularizou como ‘kit covid’. Em Divinópolis, a Secretaria de Saúde, em conduta que se pode reputar omissa e potencialmente danosa à coletividade, adotou o estratagema de declarar oficialmente não ter institucionalizado protocolo para embasar o referido tratamento, de cuja eficácia reconheceu, de público, não haver nenhuma evidência científica, deixando-o, contudo, à deliberação dos profissionais de medicina da rede municipal”.
O relato cita ainda que o vereador Eduardo Azevedo (PSC), irmão do prefeito, tem percorrido consultórios do sistema municipal de saúde para estimular colegas a prescreverem o tratamento.
“O tratamento precoce não é apenas uma prática sem efeitos científicos suficientemente comprovados. Como sobejamente o demonstram publicações científicas e pareceres de entidades de pesquisa médica e de saúde de renome, esse tipo de tratamento é também uma prática suspeita de concorrer para diversos males. Todos esses inconvenientes, que vêm se avolumando na mídia desde o ano passado, incluindo relatos de efeitos adversos graves, não demoveram de seu silêncio o secretário municipal de Saúde, que também não se manifestou até aqui, de público, sobre o movimento político encetado hoje na cidade para promover na rede de saúde, sob o silêncio conivente dos gestores, a cada vez mais suspeita forma de tratar precocemente a covid-19, que, à vista dos relatos jornalísticos e das opiniões de especialistas, a mais elementar prudência recomendaria não aplicar enquanto não estiver comprovada por suficiente pesquisa científica”.
Embasamento jurídico
Na parte dois da notícia-crime, o presidente do Conselho de Saúde aborda o que classifica como desrespeito à diretriz de prevenção. De acordo com ele, flexibilizações promovidas pelo Executivo no funcionamento de serviços e atividades durante o momento mais grave da pandemia atentam, de modo flagrante, contra o preceito constitucional que no artigo 196 diz ser papel das políticas públicas de saúde adotar medidas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos.
“Tal conduta escancaradamente permissiva dos gestores municipais atenta contra a lei 8.080, que inclui a proteção à saúde — entendida esta, inequivocamente, como atitude preventiva — como um dos objetivos do Sistema Único de Saúde em todas as suas esferas de atuação. O que se compromete aqui é a própria lógica de prevenção, imprescindível, como demonstrado pela medicina, para enfrentar uma pandemia com a gravidade da que neste momento se abate sobre as sociedades divinopolitana e brasileira”.
O tópico seguinte é o que o autor da denúncia classifica como desrespeito ao princípio da participação popular. Afirma que a conduta do atual governo municipal ao desprestigiar as instâncias colegiadas de discussão das políticas de saúde pública no município fere, de modo evidente, o princípio de participação da comunidade definido pela Constituição em seu artigo 198.
“O que se verifica é o comprometimento da própria ordem democrática no que tange à política de saúde, tendo em vista que os conselhos, bem como as conferências de saúde e outras instâncias colegiadas como os comitês de enfrentamento, são feitos para prover de voz e vez a sociedade.”
Desrespeito à epidemiologia
Outro tópico abordado se refere a falhas tanto na decretação de incongruentes flexibilizações do funcionamento de serviços e atividade, feita simultaneamente à adesão do município aos rígidos protocolos da onda roxa, quanto em ocasiões anteriores, fartamente registradas no noticiário local, em que virou as costas aos dados estatísticos sobre a gravidade da pandemia no município.
“O Executivo municipal agiu ao arrepio da ciência. Ao fazê-lo, afrontou gravemente o preceito insculpido na lei 8.080, que dispõe sobre a utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática. Ao fim e ao cabo, o que se verifica é que as políticas públicas de saúde desenvolvidas pela atual gestão não se pautam, em decisivas ocasiões, pela evidência científica e sim por um critério que escolhe medidas pelo critério de levar em conta a pressão popular mais forte no momento”.
Direito à saúde
Warlon afirma ainda que a conduta de Gleidson e sua equipe de governo diretamente envolvida na área, na medida em que apresenta omissões e descaminhos acima apontados, afronta, no limiar, o direto social à saúde que a Constituição inscreveu em seus artigos 6º e 196, como dever do estado, a ser garantido por políticas públicas.
“E, tenhamos a coragem de dizê-lo, afronta a cidadania e a dignidade humana que a Constituição transformou em fundamentos da República”.
Administração pública
Ainda conforme a notícia-crime, ao se conduzir, como se viu, de modo errático no enfrentamento da pandemia, ao arrepio da norma constitucional, da legislação ordinária e do bom senso, o governo municipal incorre também em práticas que violam os princípios que preceitua a Constituição para a administração pública.
“Viola, sem dúvida, o princípio da eficiência, ao recusar-se a incrementar e aperfeiçoar a fiscalização sanitária, a despeito de clamores deste conselho e da sociedade por meio da mídia. Disso resultou, a facilitação de casos, já notórios, de descumprimento das poucas restrições impostas pelo Executivo municipal ao funcionamento das atividades e instituições divinopolitanas, o que levou à ampliação do risco de incidência da doença, ao qual os gestores vêm respondendo com um genérico apelo à colaboração popular”.
Ainda conforme o autor, as condutas do governo municipal violam o princípio da transparência ao deixar de dar publicidade ampla às deliberações do Comitê Municipal de Enfrentamento da Pandemia, tratando como informação sigiloso o que é, na realidade, dado de relevância pública indispensável para que a sociedade possa orientar-se em momento tão crucial para sua sobrevivência física.
Provas
Na seção do texto destinada a elencar provas, Warlon argumenta que a melhor forma de explicitar o nexo causal entre o que classifica como condutas omissivas e comissivas dos gestores municipais e os desastrosos dados da saúde pública decorrentes do quadro pandêmico é o salto dado pelos indicadores de gravidade desde que teve início a atual gestão municipal.
“Falam por si mesmos, enquanto testemunhas e provas do atual desgoverno na área da saúde, os 52.538 casos notificados, os 270 pacientes internados e os 243 óbitos, registrados até 7 de abril. Falam, ainda, como testemunhas e provas desse descalabro, os dados que mostram o já mencionado aumento da incidência da doença em uma situação em que o isolamento social é pequeno e, como resposta aos que o indagam, diz o prefeito não ser ‘babá’ da população, à qual debita toda a responsabilidade pela devastadora situação para a qual concorreu o seu governo”.
Pedido
Após as afirmações contra o governo, Warlon sugere o MP uma série de medidas e pede que elas sejam adotadas o mais rápido possível.
A primeira é intimar o prefeito e o secretário de Saúde a tornarem públicos a base de dados epidemiológicos e a metodologia de interpretação que eles têm utilizado para promover flexibilizações de atividades e serviços não essenciais, bem como a demonstrar, com parâmetros aceitos em saúde pública, inclusive os do programa “Minas Consciente”, a compatibilidade dos dados com as medidas flexibilizadoras adotadas.
A segunda: intimar o prefeito, a vice e o secretário a tornarem públicos, em detalhes, a estratégia de fiscalização sanitária (incluindo recursos e ações) adotada para enfrentamento da pandemia e não apenas os resultados de ações de fiscalização, como vem sendo feito.
Terceira: intimar os mesmos a tornarem públicos o inteiro teor das reuniões do Comitê Municipal de Enfrentamento da Pandemia. Tanto em forma de vídeo quanto pelos textos das atas.
A quarta é de intimar o trio a repassar ao CMS, bem como à sociedade, todos os dados relevantes, nos âmbitos da epidemiologia e das práticas de enfrentamento da covid-19.
Quinta: intimar o Executivo a tornar público em quais dados de caráter científico se baseia para permitir o tratamento precoce da covid-19.
Sexta: intimar o Executivo a intensificar as medidas de isolamento, de modo a torná-las compatíveis com o atual quadro epidemiológico, ainda que seja necessário ser mais restritivo do que as regras emanadas do “Minas Consciente”, bem como a dar ampla publicidade das novas medidas a serem tomadas.
Por fim, Warlon pede ao MP que ofereça à Justiça denúncia contra o prefeito, a vice e o secretário de Saúde por conduta omissiva materializada em cinco pontos.
- No desrespeito, por flexibilizações, a determinações emanadas do Estado durante a recente decretação da onda roxa do “Minas Consciente.
- Na indevida leniência das medidas restritivas de convívio social em diversas ocasiões, resultando no aumento dos casos acima mencionado.
- Na permissão de prescrição de tratamento precoce no sistema municipal de saúde contra crescentes relatos de graves reações adversas feitos por entidades científicas.
- Nas condutas ativas e passivas que resultam em dificuldade de obtenção de informações pelo Conselho de Saúde, a mídia e todas as outras pessoas físicas ou jurídicas que a elas desejam acesso.
- Na desconsideração do papel das instâncias colegiadas no processo de elaboração e implementação das políticas públicas de enfrentamento à pandemia.
Por fim, Warlon pede ao MP que priorize a análise dos fatos por ele narrados na notícia-crime, considerando a rapidez com que a pandemia avança e prejudica o sistema hospitalar.
“Que priorize a análise dos fatos, a fim de dar à sociedade a resposta que esta angustiadamente espera em momento tão sombrio”, finaliza.
MP
Procurado pelo PORTAL GERAIS, o MPMG confirmou o recebimento da notícia-crime apresentada por Warlon. O promotor Ubiratan Domingues é o responsável por avaliar.
“A representação do CMS trata de quatro assuntos diferentes. Inicialmente questiona o decreto do executivo municipal que flexibiliza as regras no Minas Consciente e a respeito do tratamento precoce. Esses fatos já são objeto de procedimentos administrativos em tramitação. Na sequência, a representação aponta o esvaziamento do Comitê Municipal de Enfrentamento da Pandemia, por ausência de publicidade de suas deliberações. A apuração ocorrerá em procedimento administrativo já instaurado para acompanhamento da pandemia, cujo objeto abarca a transparência nos atos da gestão local. Por fim, resta a apuração sobre a recusa ou retardamento de respostas ao CMS pelo Município, cuja providência cabível será a instauração de procedimento administrativo para averiguação dos fatos”.
Prefeitura
Questionada pela reportagem sobre o teor da notícia-crime apresentada ao MP e pelo CMS e o começo das apurações por parte da promotoria de Justiça, a Prefeitura de Divinópolis se limitou a declarar que ainda não sabe do caso.