Rodrigo Dias
Protocolo era um cara burocrático. Não tirava férias e tampouco tinha amigos. O seu prazer era passar aquelas oito horas do dia na repartição. Submerso em uma pilha de papeis que se acumulavam na sua mesa. Aquela praia era o seu oceano.
Passava de tão certinho. Os velhos óculos de fundo de garrafa faziam com que tivesse uma visão meticulosa do que caía em suas mãos. Mas a boa visão só mirava o erro e, enquanto não se resolvia, tudo parava nele.
Dentro da repartição nem subchefe era, mas o seu talento em se prender a erros na papelada dos outros lhe conferia certo poder. Sim, fazia de quem necessitava dos seus trabalhos um refém.
Lia todos os jornais. Era sujeito bem informado e crítico ácido. Para ele o país estava uma bandalheira. A uns poucos com quem arriscava trocar meia dúzia de palavras ao dia dizia: só o pessoal da patente alta e de coturno dará jeito neste país de miseráveis.
É bem verdade que as coisas por aqui não andam às mil maravilhas, mas para o senhor Protocolo a década de 60 foi gloriosa, em que se tentou disciplinar esse povo miscigenado cheio de querer.
Não tinha parentes conhecidos. Após aposentar depois de mais de 35 anos no serviço público optou por continuar a trabalhar. Acumulou pequeno patrimônio – uma pequena casa, uma Brasília 82 e uma polpuda poupança – sua herança vai ficar mesmo para sua fé: o Estado.
Quando completou 70 anos o pessoal da repartição que trabalhava com o Sr. Protocolo até pensou em organizar uma vaquinha para fazer uma festa. Mas ele, como sempre, franziu a testa, abaixou a cabeça e murmurou algo que soou como negação à intenção dos colegas do trabalho.
Apesar de tanta mesquinhez e mau humor o senhor Protocolo era polido. Chegava à repartição com um elegante chapéu Panamá e um terno de linho creme impecavelmente passado.
A aparência do Protocolo reforçava o seu ar de seriedade. Sem saber, ele gostava disso. Estendia para seu ambiente de trabalho sua organização pessoal. Não admitia que tocassem nas suas coisas ou que as mudassem de lugar.
No seu universo tudo tinha uma razão de ser e qualquer mexida, por menor que pudesse parecer, iria alterar o equilíbrio cósmico. E os riscos, para ele, seriam imensuráveis.
Esta é a vida do Protocolo. Chato, mas necessário que exista. Viveu e morreu sozinho, é bem verdade, mas serviu. O senhor Protocolo, que antes era só chato, com o tempo ficou burocrático.
O que fica? Que até mesmo as imperfeições podem ser perfeitas e servem. Este foi o principal tesouro do espólio do Jurandir Gomes de Souza. Que ficou conhecido de todos, mesmo, como senhor Protocolo. Vulgo burocrático.